Indivíduo renal crônico tem mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares
No Dia Mundial do Rim, a Sociedade Brasileira de Cardiologia chama a atenção para a relação entre doenças renais e do coração.
Sabe-se hoje que os vários sistemas do organismo conversam entre si, seja para o bem, seja para o mal. O rim, por exemplo, quando fica doente, afeta a função cardíaca. Neste Dia Mundial do Rim (10 de março), a Sociedade Brasileira de Cardiologia chama a atenção para a relação entre estes órgãos.
Doenças cardiovasculares, AVC e infarto agudo do miocárdio representam as principais causas de mortes no Brasil. Quando o indivíduo tem problemas renais, o percentual de complicações aumenta significativamente. “Atualmente, 80% daqueles que fazem diálise têm diabetes, hipertensão ou os dois, que são os principais fatores de risco para doenças cardiovasculares”, ressalta Celso Amodeo, cardiologista e nefrologista, membro do Conselho Administrativo da SBC.
Outros fatores de risco muito comuns no indivíduo renal crônico são: nível elevado de gordura no sangue, tabagismo, depressão e sedentarismo. Além disso, há outros fatores de risco próprios da doença renal que afetam o coração, por exemplo, o hiperparatiroidismo secundário, que é o excesso de produção do hormônio da paratireoide, que acontece devido à insuficiência renal, elevando o nível de cálcio no sangue.
A doença renal é classificada em níveis de 1 a 5, de acordo com a gravidade. Há pessoas no nível 4, com função renal bem rebaixada, que não apresentam sintomas significativos. “É fundamental saber que, assim como a hipertensão arterial é uma doença assintomática, a doença renal crônica na sua fase inicial, provocada por hipertensão ou diabetes, também é assintomática, chamando a atenção para a necessidade de buscar um médico regularmente”, alerta o cardiologista e nefrologista.
Quem são as pessoas mais propícias a ter esse tipo de problema? A pirâmide populacional está invertendo, há cada vez mais indivíduos acima de 65 anos, com hipertensão e diabetes, que são aqueles que têm maior chance de desenvolver doenças cardiovasculares e também insuficiência renal provocada por essas doenças. Segundo Amodeo, o indivíduo que possui hipertensão e/ou diabetes precisa buscar um profissional que não cuide apenas do aspecto cardiológico, mas que também cheque a função renal.
Diagnóstico e prevenção
O primeiro marcador de dano renal provocado por hipertensão e diabetes são traços de proteína na urina, chamados de albuminúria ou microalbuminúria. O exame para identificação é simples, feito com a coleta de urina, permitindo relacionar a presença de albumina com a dosagem de creatinina urinária.
O risco cardiovascular na doença renal começa a aumentar quando a filtração renal está abaixo de 60 ml/min. Mulheres têm em torno de 100 mL/min e homens, cerca de 120 mL/min. O mesmo acontece com a microalbuminúria: acima de 15 mg/g de creatinina urinária já demonstra relação com risco cardiovascular.
É importante lembrar que mesmo antes de registrar aumento da glicemia, o paciente diabético pode ter alterações renais provocadas por diabetes. Mesmo os pacientes que já possuem doença renal precisam controlar o diabetes, a pressão arterial e, mais importante ainda, a dieta, evitando alimentos que tenham muito sal, como os produtos processados e industrializados. Como exemplo, citamos os pães, queijos, embutidos e alimentos salgados em vidro, lata ou plástico, que representam 75% do sal consumido no dia a dia.
“Retirando os alimentos processados e/ou industrializados, é possível preparar alimentos com o teor de sal suficiente para dar sabor e contribuir para o paciente não abandonar o tratamento”, comenta Amodeo. Outra questão é a proteína na dieta, quanto mais proteína a pessoa ingere, mais ela danifica o rim, assim, é preciso adotar uma dieta hipoproteica, preferencialmente com o acompanhamento de nutricionista, que proponha ao paciente alimentos que ele goste e que sejam permitidos dentro das restrições nutricionais.
A questão dos anti-inflamatórios
Um dos remédios mais vendidos do mercado é o anti-inflamatório, utilizado para amenizar os sintomas comuns da inflamação, além de febre e dor. No entanto, ele bloqueia o mecanismo de produção de substâncias vasodilatadoras, provocando vasoconstrição, principalmente em nível renal. “É possível ter insuficiência renal pelo uso abusivo de anti-inflamatório, por isso esses medicamentos não devem ser prescritos para pacientes que têm hipertensão e principalmente para os que têm insuficiência renal”, expõe Amodeo.
Os anti-inflamatórios não hormonais geram três grandes problemas: piora a função renal, sem provocar sintomas; interfere no controle da pressão arterial; e pode gerar gastrite, por agredir a mucosa gástrica. “O segredo é a prevenção, adotando um estilo de vida saudável desde a infância, não no momento em que o problema aparece. Por isso, a educação a respeito da própria saúde é fundamental.”
E a litíase renal?
O cardiologista e nefrologista explica que a litíase renal, chamada de pedra nos rins, é outra doença, que pode eventualmente danificar o rim e levar à insuficiência renal, aumentando o risco de doença cardiovascular devido aos fatores de risco que são próprios da doença renal crônica, como excesso de cálcio e de ácido úrico.
Na doença renal por cálculo, são mais comuns cálculos de oxalato de cálcio, que possuem em seu núcleo ácido úrico, um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Já existem trabalhos relacionando o ácido úrico com doenças coronárias. “A perda da função renal devido ao cálculo que obstrui o rim pode levar à insuficiência renal, mas se o cálculo foi expedido e o rim continua saudável, não há problema”, explica Amodeo.
Evidências
Um estudo feito em Portugal em 2018, publicado no Jornal Brasileiro de Nefrologia, mostra que a doença renal crônica é um fator de risco independente para vários desfechos cardiovasculares indesejáveis, principalmente entre idosos que estão sob tratamento de hipertensão e diabetes.
Foram acompanhados 400 pacientes no programa de diálise, todos homens, com faixa etária de 75 a 77 anos e nível de insuficiência renal grau 3. Metade deles tinha diabetes; 85%, dislipidemia; 96% eram hipertensos; 26%, fumantes; e 24% estavam com excesso de peso. A prevalência de doença cardiovascular foi de 62%, sendo maior naqueles com insuficiência renal em estágios 4 e 5.
Ou seja, a maioria dos pacientes que está em programa de diálise já possui dano coronariano. “A conclusão é que esses 400 indivíduos com doença renal crônica tinham inicialmente maior carga de doença cardiovascular, e a prevalência foi maior que em outros estudos europeus com pessoas com doença renal crônica. Apesar de ter sido feito em Portugal, os resultados no Brasil não são diferentes”, finaliza Amodeo.