Ué, mas a Síndrome de Burnout não era culpa minha?
por Marjorie Rodrigues Wanderley
Com a virada de 2021 para 2022 a Síndrome de Burnout tornou-se uma doença do trabalho, segundo sua classificação. A Organização Mundial da Saúde descreve os sintomas como sendo sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho e eficácia profissional reduzida. A mudança, que parece sutil, é muito importante: o Burnout deixa de ser uma doença do trabalhador, e passa a ser uma doença do trabalho. Essa sutileza contribui para a retirada da responsabilidade individual tanto pelo adoecimento quanto pelo tratamento, e transpõe para fatores sociais e da própria empresa. Com isso, fica claro que a solução para o Burnout não é que o trabalhador “relaxe, tire um tempo para si, equilibre vida pessoal e profissional” (coisas tão fáceis, não?), mas sim que o sistema de trabalho seja revisto e que sejam avaliados direitos e deveres do trabalhador levando em conta sua condição de humano.
Mas isso não é óbvio? Não. Durante toda a construção do trabalho na nossa sociedade capitalista pós-industrial, e em especial na geração conhecida como Millennials, foi atribuída ao indivíduo toda a carga de seu sucesso e de seu adoecimento. Desenvolveu Síndrome de Burnout? É porque trabalhou demais. Foi demitido? É porque não trabalhou o suficiente. E nessa lógica a sobrecarga de trabalho acaba prevalecendo porque existem poucas sensações melhores do que a de ter bons resultados naquilo que se faz, concordam? Esse assunto alugou um sobrado, se não um triplex, na minha cabeça atualmente. Estou lendo o livro “Não aguento mais não aguentar mais”, de Anne Helen Peterson. A autora nos explica justamente o que aconteceu com a geração anterior a dos Millennials que fez com que o trabalho fosse encarado da forma como é hoje. Em determinado momento, escreve: “O Millennial moderno, em grande parte, vê a vida adulta como uma série de ações, em vez de existência”.
Que tipo de narrativa nos foi contada para que acreditássemos que ser não é o suficiente? Que é preciso fazer, ou ainda, ter? A resposta é simples e ao mesmo tempo complexa: a narrativa que faz com que quanto mais as pessoas façam, mais alguém lucre. Geralmente alguém que está anos luz distante da pessoa que está fazendo, não estamos nem falando de coordenadores ou gestores diretos – estes geralmente também estão reféns da mesma lógica. Se você considera o suficiente ser alguém, ninguém lucra. O ganho é “somente” sua saúde física, mental e relações interpessoais saudáveis.
Então, como foi que o Burnout acabou tornando-se um troféu na nossa estante? Na medida em que vivemos em um sistema inteiramente construído para valorizar os sujeitos a partir de sua produção lucrativa. Não sinta-se culpado por ter comprado essa ideia e não conseguir fazer diferente, porque todos nós queremos ser valorizados e buscamos isso constantemente. É muito difícil repousar na satisfação de puramente ser e existir, fazer o suficiente, quando existe tanta valorização pelo fazer demais. Por isso a desconstrução dessa lógica também não é individual, é coletiva e diz respeito a uma mudança na estrutura social, e não uma questão de “mude sua mente”. É somente reconhecendo a lógica na qual estamos inseridos que seremos capazes de gerar mudanças para que as próximas gerações consigam colocar na estante outros troféus.
Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, professora da Estácio Curitiba, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná