Monitoramento remoto ajudará a salvar da extinção o preá-de-moleques-do-sul, que vive isolado em arquipélago catarinense
Afastada a cerca de 10 quilômetros da costa, uma pequena ilha do Arquipélago de Moleques do Sul (SC) receberá monitoramento remoto, por meio de um sistema de câmeras com transmissão em tempo real, para contribuir com a preservação de uma das espécies de preá mais rara e ameaçada do planeta: o preá-de-moleques-do-sul (Cavia intermedia). O principal objetivo da iniciativa é promover a contagem permanente dos animais a distância para evitar distúrbios no ambiente, já que o contato e a interação com humanos é uma das maiores ameaças aos pequenos roedores.
Da mesma família da capivara e do porquinho-da-Índia, o preá-de-moleques-do-sul é um pequeno e raro mamífero cujo habitat está restrito a apenas uma das três ilhas do arquipélago, com 0,1 quilômetro quadrado de área, algo próximo ao tamanho de dez campos de futebol. A espécie endêmica tem uma população de aproximadamente 50 indivíduos, flutuando entre 30 e 60 de acordo com o nascimento e a morte dos animais ao longo do ano. Descrita em 1999, figura entre os 20 pequenos mamíferos mais ameaçados do mundo e foi considerada criticamente em risco de extinção em todos os níveis (global, nacional e estadual).
“O preá-de-moleques-do-sul é o mamífero com a menor distribuição geográfica do planeta, portanto, qualquer distúrbio, natural ou causado pelo homem, como doenças ou a introdução de um animal que possa se tornar seu predador, como um cachorro, pode acabar com todos os indivíduos de uma só vez”, pontua o biólogo do Instituto Tabuleiro (IT) e coordenador do projeto, Carlos Salvador. “Poder monitorá-los 24 horas por dia e fazer a contagem da população sem precisar estar presente fisicamente é uma vitória para a preservação. O monitoramento constante deste número é fundamental para a sua conservação, entender sua biologia ao longo do tempo e tomar decisões”, explica.
O programa de monitoramento remoto possibilita detectar alterações ambientais, acompanhar a variação da cobertura vegetal local, estimar a quantidade de preás existente e monitorar as condições ambientais da ilha. Com a pandemia de Covid-19, o cronograma do projeto foi revisto e a previsão é de que as câmeras estejam instaladas ainda no primeiro semestre de 2021.
As ilhas
O Arquipélago de Moleques do Sul é formado por três ilhas localizadas a sudeste de Florianópolis (SC). A maior delas, onde vivem os preás, é considerada o principal abrigo para a reprodução de aves marinhas da costa catarinense, incluindo 31 espécies, com destaque para os atobás, gaivotas e fragatas. Nela, existe somente essa espécie de mamífero e uma espécie de réptil, semelhante à cobra-de-duas-cabeças, também endêmica da ilha. Protegida pelo Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o arquipélago é categorizado como Zona Intangível, ou seja, com visitação proibida.
“Não é permitida a entrada para qualquer atividade que não seja pesquisa. Já conseguimos sinalizar toda a ilha com a instalação de placas de advertência e tentamos reduzir o desembarque clandestino, que infelizmente ainda acontece. O patrulhamento também é executado, especialmente pela Polícia Ambiental de Santa Catarina. Com as imagens em tempo real, vamos conseguir vigiar e estudar melhor a área”, reforça Salvador.
Plano de ação
O projeto de monitoramento faz parte do Plano de Ação Estadual (PAE) para a Conservação do Preá-de-Moleques-do-Sul, viabilizado pelo Instituto Tabuleiro com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e formalizado, em novembro de 2019, por uma portaria do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA). O Plano reúne 28 ações para serem executadas em cinco anos.
“O fato da espécie viver durante tanto tempo com uma população tão reduzida mostra como a natureza pode ser resiliente. Não existe o conhecimento de nenhuma outra espécie que se manteve por tanto tempo nessas condições. Proteger o preá-de-moleques-do-sul e estudá-lo é de grande importância para a ciência, para a cultura de Santa Catarina e para o Brasil, já que é um animal que existe apenas nesse arquipélago”, avalia a coordenadora de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Marion Silva.
Salvador ressalta ainda a importância de ações preventivas que poderão ser desenvolvidas a partir do monitoramento, como a elaboração de protocolos de pesquisa e de respostas rápidas a qualquer ameaça à espécie. “Desenvolver um estudo completo sobre esse animal é essencial para direcionar as tomadas de decisão em favor de sua preservação, como a possibilidade de criar uma nova população em cativeiro ou em outra ilha próxima”, explica.
O pesquisador acredita que ampliar o conhecimento sobre a espécie ajuda a preservá-la, reforçando a importância da mobilização comunitária e da sensibilização das pessoas próximas à ilha. “Temos de envolver as comunidades locais nesse processo. Alunos de uma escola de Florianópolis, por exemplo, já criaram um plano de ação mirim para a proteção do animal e o preá passou a compor o logotipo da escola. Para o plano ter mais eficácia, precisamos da adesão e mobilização de todos os setores da sociedade”, afirma.
Já Fabiano de Melo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), explica que a perda de uma espécie endêmica leva consigo uma diversidade genética única. “A perda de biodiversidade obrigatoriamente é uma perda de diversidade genética. E nesse caso, apesar de termos outras espécies do mesmo gênero, o fato dos preás serem exclusivos dessa ilha, a extinção pode significar que questões evolutivas únicas serão perdidas”.