Outubro Rosa: muito além do cuidado físico, um momento de reflexão sobre ser mulher
Por Stefanie Schmitt
Outubro vem se popularizando como o mês mais feminino do ano. As campanhas em torno da prevenção do câncer de mama chamam a atenção para a necessidade do autocuidado, mas deixam de abordar a relevância da observação não só da saúde física, mas também mental das mulheres.
Historicamente, somos responsabilizadas pelos cuidados de nossas famílias e lares. Tanto é que a própria publicidade estimula que sejamos presenteadas com aparelhos domésticos que poderiam tornar nossas vidas mais simples e prazerosas no dia a dia. Para quem defende essa tese, parece que a reprodução do cuidado e nossa exaustão poderiam ser resolvidos pela automatização e não pela redistribuição das tarefas domésticas.
No Brasil, mesmo já respondendo pela renda de praticamente a metade dos lares brasileiros (IBGE), as mulheres dedicam cerca de 61 horas por semana ao trabalho do cuidado não remunerado (ThinkOlga). Se são 8 horas por dia útil para o trabalho remunerado, seriam 12 para o não remunerado. Pois é, como a própria ganhadora do Nobel afirma: “não teremos igualdade de gênero no trabalho enquanto não houver dentro de casa” (Claudia Goldin). Porém, como vimos, para lidar com essa carga laboral, quem a enxergou criou uma nova demanda, a dos eletrodomésticos, a qual não resolveu, dentre outros, a carga mental decorrente da responsabilização.
Contudo, o cenário ainda fica pior. Conforme demonstrado por Naomi Wolf, com o ingresso massivo das mulheres no mercado de trabalho, as publicações femininas passaram a dar ênfase para um mercado ainda mais rentável do que os eletrodomésticos: o da beleza. Ao custo de nossa saúde mental, as campanhas publicitárias passaram a estimular a busca por um padrão de beleza inconcebível, além de enaltecer um consumismo desenfreado em busca de uma aparência vendida como ideal e que, para não ser atingida, muda de tempos em tempos. Tanto é que, de acordo com o Google, somente em 2020, o número de pesquisas relacionadas a harmonização facial saltou 540% em relação ao ano anterior.
Ainda em 2020, nós já estávamos tendo que lidar com o aumento da carga do cuidado decorrente da pandemia de Covid-19, mas, como se não fosse suficiente, também tivemos que passar a lidar com um problema possivelmente ainda mais devastador, a insatisfação com nossos rostos. Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, entre 2020 e 2021, houve um aumento de quase 50% na procura por procedimentos estéticos, o que acabou denominado como efeito Zoom.
Obviamente, todas nós desejamos nos sentir bem com nossa aparência, e isso tem impactos em nosso bem-estar. O autocuidado envolve a estética, a observação e o cuidado de nosso corpo e mente. Porém, é salutar reconhecermos que somos vítimas de um padrão mutável e, portanto, inatingível. Precisamos, também, de uma indústria realmente comprometida com a diversidade, capaz de estimular nosso amor-próprio, para que possamos cuidar de nossa saúde física e mental a partir do acolhimento daquilo que somos, da intimidade com nosso corpo.
Boa parte desse anseio por padrões inatingíveis é agravado pelo uso frequente das redes sociais e, tudo indica que as adolescentes sejam as maiores vítimas. De acordo com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), órgão do governo americano semelhante à Anvisa no Brasil, em 2011, 36% das garotas e 21% dos garotos adolescentes afirmaram se sentirem tristes ou desesperançosos com frequência. Em 2021, os índices chegavam a 57% e 29%, respectivamente.
O estudo ainda aponta que 30% das garotas, contra 14% dos garotos, cogitaram o suicídio em um período de um ano até a data da entrevista. O aumento foi de 60% em 10 anos. Um outro estudo, feito com 11 mil adolescentes no Reino Unido, também concluiu que a saúde mental dos adolescentes está em níveis preocupantes e, segundo os pesquisadores, a causa principal é o uso das redes sociais.
Na pesquisa, entre jovens que usavam as redes sociais menos de uma hora por dia, o índice de depressão era de 15,1% para as meninas e 7,2% para os meninos. Já no grupo daqueles que passavam de cinco ou mais horas por dia, o índice era de 38,1% e 14,5%, respectivamente. Embora não haja estudos específicos sobre o tema no Brasil, é válido lembrar que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, somos o país mais ansioso do mundo, com aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrendo de ansiedade patológica.
Em tempos em que tanto se fala sobre diversidade e inclusão, parece inconcebível que sejamos vítimas de padrões cada vez mais irreais, construídos com base em filtros e outros artifícios. Também, é inaceitável que tenhamos que lutar sozinhas contra estímulos que nos adoecem, enquanto, sobrecarregadas, somos estimuladas a adotar uma postura de autocuidado. Que os próximos outubros sejam de mais acolhimento e de menos culpa sobre o que precisamos ter ou fazer para ficarmos bem.
Stefanie Schmitt é CEO da Olhi, startup de serviços voltada ao empreendedorismo feminino.