A literatura favorita da semana

por Juliana Portilho

Um dia desses me perguntaram qual é a minha obra literária favorita.

Pergunta difícil, mas que me fez pensar, responder e depois de alguns dias me questionar sobre o motivo da minha escolha. Tentarei escrever sobre ele.

Blanchot, um importante pensador francês do século XX – inclusive romancista – disse, na sua obra “O livro por vir” (2005), que a literatura é uma experimentação, sempre renovada, tanto do tempo como das formas comunicativas. Nesse lugar, onde quem lê uma obra pratica a experiência imaginativa, a realidade pode ser transformada.

Pois bem, a minha resposta foi “Ensaio sobre a lucidez” (2004), de José Saramago. A estória é a seguinte: no dia da eleição os cidadãos começam a sair para votar, ao que parece que fazem de forma contrariada, mas fazem. O resultado foi algo surpreendente, oitenta e três por cento deles votaram em branco.

Os dois partidos que concorriam tiveram uma porcentagem ínfima e por isso nenhum deles poderia ser eleito. Uma nova eleição foi proposta e novamente a surpresa da grande maioria de votos em branco ocorreu. O governo, frente ao que considerou ser uma antecipação do estado caótico, resolveu ir atrás de um possível culpado, pressupondo não haver outro motivo que não o de alguma sabotagem, já que os eleitores de cada um dos partidos sempre pareceram muito ativos e “colaboradores”.

Mas o causador foi a sociedade, como um todo, que optou pelo vazio, pela marca do nada a ser votado. Essa opção social foi compreendida como uma ameaça à ordem e as respostas foram as mais diversas – nunca mais democráticas –, tanto do lado dos representares do governo, como dos eleitores da cidade fictícia.

Retomando Blanchot, a literatura é um espaço onde transformações são possíveis. A transformação ocorre naquele que lê através de um espaço que antes estava vazio e por isso pode ser ocupado. Pensando nisso, a minha escolha parece um pouco mais compreensível.

A qualidade magistral da literatura de Saramago possibilitou a criação de um lugar a ser ocupado, independente do tempo. Talvez, alguns anos atrás a minha escolha não tivesse sido pelo livro “Ensaio sobre a lucidez”, mas a semana passada foi.

O motivo pode ser o espaço que a literatura nos dá para praticar a imaginação, em tempo e contexto indeterminado, e quem sabe poder mudar a realidade, ou, pelo menos, exercer o desejo de mudança.

Juliana Portilho é Psicóloga, Psicanalista, Mestre e Doutora em Filosofia, Pós-doutoranda em Psicologia Clínica (IP-USP) e Professora da Estácio Curitiba.

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