Sentir é Resistir
Das muitas músicas que serviram de suporte durante a Pandemia, uma delas se destaca: ‘Dias Assim’, do Detonautas com participação do Leoni, é uma daquelas músicas que poderiam facilmente ser um abraço. Os cantores, em determinado ponto, ensinam: “Sentir é resistir”.
A música, que é inteira sobre aceitação de sentimentos, traduz uma mensagem essencial para a Psicologia – a de aceitação e expressão de emoções negativas.
Em tempos de ‘good vibes only’, a expressão de tristeza, raiva ou qualquer outra emoção vista como negativa é um ato de rebeldia e resistência.
Quando uma onda de otimismo desenfreado nos assola por meio das Redes Sociais, corremos o risco de nos sufocarmos com a necessidade de estarmos sempre felizes e aproveitarmos a vida ao máximo, mesmo quando tudo o que precisamos é aproveitar um dia na bad e nos permitir sentir tudo que há para ser sentido.
Quando alguma emoção indesejada aparece, nosso primeiro reflexo é o de negar, afastar e repelir. A primeira coisa a saber é: não adianta.
Aquilo que não é sentido permanece, e irá aparecer ocasionalmente de outra forma. Pode ser uma crise ou até mesmo uma doença, mas aquele sentimento negativo dará um jeito de existir. Portanto, deixe que exista. Imagine a seguinte situação: você está dando um jantar em sua casa e de repente chega um convidado indesejado.
- Pode ser um tio chato, por exemplo, daqueles que perturba todos os convidados com piadas sem graça. Você, enquanto anfitrião, tem duas opções:
- Passar a festa inteira atrás desse tio chato, controlando todos seus movimentos e tomando toda sua atenção, de forma que ele não consiga perturbar as outras pessoas.
A outra alternativa é você reconhecer que esse tio chato está ali, e assim será, e perceber todas as outras pessoas que estão naquela festa, conseguindo de repente até mesmo aproveitar o seu jantar.
Essa analogia pode ser aplicada aos sentimentos indesejados. Quando eles aparecem, temos uma escolha: reprimi-los, de forma que eles precisarão encontrar outra forma de existir, muitas vezes uma forma mais dolorosa do que simplesmente senti-los, ou reconhecer a presença dele, ouvir o que ele tem a nos dizer, e simplesmente sentir.
Quando os cantores nos dizem que ‘Sentir é resistir’, é a isso que me remete: sentir tudo o que há para ser sentido é provar a nossa existência enquanto seres humanos – falhos, complexos e incríveis.
Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, professora da Estácio Curitiba, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná