Coletivo Brazilinas ajuda mulheres vítimas de violência a resgatarem a sua autoestima
O isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 acabou expondo outro grande problema social: a violência doméstica, especialmente contra as mulheres. Segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgada recentemente, o aumento de casos de agressões contra mulheres foi de 20,3%.
De acordo com o artigo 2º da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Daniele Costa, especialista em gestão de pessoas, mentora de desenvolvimento humano e bem-estar, destaca que agosto é marcado pela Campanha de Conscientização pelo Fim da Violência contra a Mulher. A data também simboliza o aniversário da Lei Maria da Penha, sendo mais um forte apelo para divulgar a legislação, bem como trazer mais consciência a respeito do fim da violência contra a mulher.
A Lei Maria da Penha traz em seu escopo cinco tipos de agressões que configuram abusos e violências contra a mulher. “Ocorrências física, psicológica, moral, sexual e patrimonial devem ser sempre levadas ao conhecimento de autoridades. A campanha é um chamado para o que já estamos fazendo de forma recorrente neste período pandêmico que é falar sobre a violência contra a mulher”, destaca Daniele.
Durante a pandemia esses casos aumentaram ainda mais, tendo em vista a necessidade de isolamento, bem como o impacto na economia, considerando que a violência patrimonial, ligada às questões financeiras, é mote para que as mulheres se mantenham no ciclo do abuso.
Motivadas pela necessidade de gerar ainda mais consciência por empatia, respeito e sororidade, no início da pandemia, em 2020, mulheres de diferentes regiões do país se juntaram para contribuir de alguma forma com outras, vítimas de violência doméstica. Surgiu, assim, o Coletivo Brazilinas, formado por mulheres da sociedade civil que já atuavam de alguma forma com voluntariado, questões sociais e políticas públicas.
O movimento foi iniciado com Daniele Costa, de São Paulo, que teve a ideia de reunir mulheres que desejavam contribuir de alguma forma com as questões de equidade de gênero. “Fiz um chamado para algumas amigas que gostaram da proposta, convidaram outras mulheres que decidiram somar forças e entrar para o grupo. Num primeiro momento, selecionamos entidades que atuavam no combate à violência contra a mulher e que precisavam de ajuda”, conta a mentora, que é coordenadora do Coletivo Brazilinas.
Em março de 2021, o projeto completou um ano, sendo que neste período foram realizadas diversas ações junto às entidades selecionadas. O Coletivo colocou no ar duas campanhas de arrecadação por meio da Plataforma Solidário Brasil e conseguiu arrecadar mais 10 mil reais para as duas entidades que trabalham com vítimas de violência doméstica: a Casa Noeli e o Programa Apolônias do Bem.
A Casa Noeli abriga mulheres vítimas de violência doméstica, em Ariquemes, Rondônia; e o programa Apolônias do Bem reúne dentistas voluntários de todo o Brasil que atendem mulheres que sofreram agressões físicas e tiveram rosto, boca e dentes atingidos. “Começamos com ação de arrecadação de dinheiro para cestas básicas e produtos de limpeza e no decorrer dos meses percebemos que este espaço poderia ser a primeira entidade a contar com os nossos cursos de capacitação, que era uma das propostas iniciais do Coletivo Brazilinas”, explica Daniele.
Na Casa Noeli também houve um aumento de vítimas de violência doméstica acolhidas em 2020. A maioria das mulheres abrigadas no local é formada por jovens de 19 a 25 anos, com ensino médio incompleto e dois filhos. Muitas já trabalhavam, mas ainda dependiam do companheiro para sobreviver. “A partir do segundo semestre, partimos para uma ação de capacitação dessas mulheres. Quem sofre violência fica sem autoestima”, diz Daniele.
As Brazilinas desenvolveram então um ciclo de palestras para empoderar essas mulheres. “Selecionamos temas como autoconhecimento, inteligência emocional, mentalidade empreendedora, utilização de redes sociais e ferramentas de marketing, eliminação de crenças de escassez e criação de consciência financeira, autoestima e imagem pessoal”, conta a coordenadora do Coletivo.
Segundo Daniele, levar essas ações de capacitação é uma forma de jogar luz e mostrar que há saída, mesmo que se comece com passos de formiguinha. “Ajudamos no resgate do amor-próprio, o primeiro passo fundamental para uma retomada. Além disso, reforçamos sempre que elas não estão sozinhas, que existe uma rede de apoio e acolhimento”, descreve.
O Coletivo Brazilinas já está em seu terceiro ciclo de facilitação e desenvolvimento dessas mulheres, sendo que neste último foram abordados temas como análise de perfil comportamental e constelação familiar.
Para Carla Correia, uma das voluntárias que atuam no Coletivo, participar deste ciclo de facilitações e poder dividir o que aprendeu sobre ser mulher, se dar voz e se honrar é a forma mais delicada de caminhar por essa trilha, de se desenvolver e se conhecer.
Ao todo, foram capacitadas 74 mulheres e o Coletivo já está pensando em novas ações voltadas ao empreendedorismo. Por enquanto, o projeto piloto do curso de capacitação do Coletivo Brazilinas está sendo realizado apenas para as mulheres atendidas pela Casa Noeli. A ideia é também ampliar o curso para mulheres atendidas por outras entidades no Brasil.
Segundo a coordenadora do Coletivo Brazilinas, em que pese ser uma ação social, a orientação é de sempre buscar, paralelamente, o auxílio de instituições púbicas como o Ministério Público, bem como outros meios como o aplicativo de Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDHA), além do telefone 190.
Nas últimas semanas, foi sancionada pelo Governo Federal a lei que tipifica no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher. E ainda virou Lei a campanha do sinal vermelho, que sugere às vítimas mostrar aos atendentes de farmácia um sinal de X vermelho na palma da mão para sinalizar que está sofrendo violências e abusos.
Para finalizar, Daniele Costa reforça que é preciso repensar os pontos de vista e cultura da sociedade a respeito de empoderamento. Ela diz que se for mantida a crença de que ser forte e empoderado é abusar e desrespeitar, a cultura do abuso continuará a perdurar. “A cultura que endeusa abusador tende a criar novos e eternizar os abusadores. E toda ação que puder ser adotada no sentido de se evitar e eliminar esse tipo de pensamento, crença e comportamento na sociedade, é válido e importante para o desenvolvimento de uma consciência social”, conclui.