A gente se defende, mesmo sem querer

Acontece um fenômeno muito interessante na nossa vida: a gente se defende, mesmo sem querer. O nosso corpo, o nosso cérebro e a nossa cognição encontram formas de amenizar o sofrimento, fazer com que eventos ruins não aconteçam novamente e esquecer eventos que foram dolorosos. Se nós nos machucamos, nosso cérebro libera endorfina para compensar, gerando uma sensação de bem-estar.

Podemos ter passado pelo pior inverno de nossas vidas, mas no verão seguinte não conseguimos lembrar de como é passar tanto frio. E lá vamos nós, clamar novamente por aquele frio tão doloroso. Temos reflexos inatos para proteger nosso corpo: lágrimas, salivação, sobressaltos e até mesmo os sintomas de ansiedade, que nos prepararam para lutar ou fugir frente a uma situação de perigo.

Essa nossa forma de existir tem uma beleza única: nosso instinto de sobrevivência não falha, nosso corpo nos protege mesmo quando nós mesmos esquecemos de nos proteger. Porém, essa defesa não é útil em todas as situações. Frequentemente, muito tempo após passar por uma situação difícil, tendemos a esquecer de todas as partes ruins daquela situação, ou até mesmo lembrar com menos intensidade de sofrimento. Isso vale para relacionamentos que foram dolorosos, empregos que foram difíceis ou para situações em que sentimos dor.

Essa nossa capacidade tão importante, e que assegura nossa sobrevivência, pode nos colocar em algumas situações complicadas. Digamos que seja oferecida uma vaga de emprego em um lugar onde você já trabalhou previamente, e escolheu sair por diversos fatores de sofrimento. Pode ser que, neste segundo momento, você ache que vale a pena voltar porque nossa cognição nos defende de relembrar momentos dolorosos. Ou, ainda, em uma possibilidade de retorno com um ex namorado, pode ser que sejam amenizadas lembranças de brigas ou abusos prévios.

O que fazer, então? Esse é um daqueles momentos nos quais precisamos aumentar a racionalização para que as decisões não sejam tomadas somente pela emoção. Relembrar os motivos que te fizeram parar, desistir, sair, recusar.

Ponderar se esses motivos ainda são válidos e se continuam fazendo sentido para quem você é atualmente.

Pedir para que outras pessoas próximas e de confiança relembrem quem/como você era na época. Costumamos falar, como motivação, “lembre-se dos motivos pelos quais começou”. A mensagem que fica aqui, hoje, é a seguinte: lembre-se, também, do porquê acabou.

Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, professora da Estácio Curitiba, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná

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