A Casa 49
Há alguns anos, quando voltei para a minha cidade, fui morar no bairro Vila Izabel (já nem lembro se a Izabel (a do bairro) era com “S” ou “Z”. A minha casa era a 49.
Com o passar do tempo, fui conhecendo os vizinhos. Porém, a lembrança mais viva que tenho, é a de uma menina, chamada Salete, que, à época, tinha 12 anos e morava na casa 47.
Bem humorada, Salete tinha uma alegria contagiante !
Todos os dias, fizesse chuva, fizesse sol, quando passava em frente a minha casa, gritava: “Tenha um bom dia, vizinha”! E seguia para a escola, vestida com a sua saia azul marinho, blusa branca e uma gravatinha vermelha.
Quando eu a via, acenava para ela; quando não, eu gritava lá de dentro: “você também. Cuide-se. Boa aula”!
Ficamos amigas.
A nossa amizade nos fez conhecermo-nos muito bem, a ponto de eu tratá-la como uma filha e reparar a tristeza nos olhos e na alma dela.
E sem muito esforço, entendi o que estava acontecendo.
Salete era líder de torcida, representante da classe, a organizadora de “eventos”, a “boa” amiga, a confidente.
Salete estava com sobrepeso.
Na concepção dela, aquilo a tornava infeliz, embora não demonstrasse. Nós sabemos que das duas, uma…quando estamos tristes ou comemos muito ou comemos NADA.
Senti que precisava ajudá-la de alguma forma. Mas, como abordar um assunto tão delicado ? Como uma menina com 12 anos entenderia que a (possível) solução estava com ela mesma ?
Tentei conversar com a mãe dela, mas parecia que vivia em outro planeta, tal o descaso com a filha.
Então, decidi trazer a Salete para a minha casa. Todas as noites jantávamos juntas e, invariavelmente eu fazia “comida saudável”, mesmo assim, pedia que ela se abstivesse de comer fora de hora. Fazíamos caminhadas também.
Jamais passou pela minha cabeça, torná-la uma magrela subnutrida. A minha intenção era a de que ela percebesse o porquê de sentir-se infeliz.
Era óbvio que ela sabia, mas admitir a entristecia e era uma tarefa hercúlea, quase sobre humana, ainda mais quando se tem 12 anos.
Por 2 anos acompanhei o desenvolvimento dela.
Quando fui transferida, aquela menina “fofinha”, já estava se tornando uma “mocinha”, com todas as transformações que a natureza produz nas pessoas, e, para a minha felicidade, percebi que ela já não tinha mais aquela tristeza no olhar.
Aos poucos e com determinação (dela, é claro!), desenvolveu autoestima o que a levaria à aceitação de que nem tudo e nem todos DEVEM ser perfeitos. O que pode ser perfeito para alguns, pode não ser para outros.
Fui embora.
Com o tempo, perdemos contato. Nunca mais soube da Salete.
Em uma das minhas vindas à minha cidade, eu a vi, linda, alegre, feliz !
Só então fiquei sabendo a razão da tristeza que havia em seus olhos. O garoto da sala ao lado, por quem Salete nutria mais puro amor dos seus 12 anos !
Marcelo era o nome dele.
E fiquei feliz ao saber que anos mais tarde, casaram-se e foram morar na Casa 49.
E que estão lá até hoje !
E, com emoção e um nó na garganta, que ainda vejo aquela menina, com seu uniforme azul, blusa branca e uma gravatinha vermelha, gritando :
” Tenha um bom dia, vizinha”!
Este texto é subjetivo, não cabendo narrativas duvidosas ou sem fundamento que não o científico.