Mãe nutella, eu?

Goste ou não, o creme de avelã chegou para fazer uma revolução

Para ler ouvindo: Passarinhos Emicida ft. Vanessa Da Mata

Gerar, parir, criar e educar outro ser. Está pensando que é mole? Que a gente aprende em tutoriais? Que a mãe da gente ou a melhor amiga falam como é e vivemos um replay do que nos contaram? Infelizmente não tem receita de bolo, como dizem. Nenhuma gravidez é igual, assim como bebês e crianças são indivíduos ímpares (posteriormente afetados pelo meio e condições em que vivem). Óbvio que nossa vivência, as mulheres com quem convivemos, aprendemos e, posteriormente, compartilhamos conta e muito. Há ainda muita literatura interessante e, sobretudo, real sobre o tema nas prateleiras das livrarias. Porém, quando me tornei mãe tive (e me dei) a oportunidade de nascer junto com meu filho. Agi quase completamente alheia às fórmulas prontas e, muitas vezes ultrapassadas, e fui pacientemente criando meu próprio repertório. Não sem dor, que fique claro.

Conhecimento teórico é um norte que nos coloca no rumo em meio aquela tempestade. No caminho do meio, entre a cartilha e o rock’n’roll de deixar o cotidiano simplesmente acontecer, existe uma força poderosa chamada instinto materno. Foi nele que me apeguei (e me apego até hoje) para resolver diversas questões, das complexas às mais corriqueiras. Funciona quase como uma voz sussurrada por alguém muito maneiro que, ao que tudo indica, quer te ver bem. Dito isso é possível prever que quase sempre haverá uma torcida vibrando para você ignorá-lo, mas caso insista e pare para ouvir te garanto que é incrível e valerá a pena. Junta isso com uma, mesmo que pequena, rede de apoio e informações e bingo: não só damos conta como nos sentimos plenamente realizados. Não sem cansaço e querendo fugir de vez em quando, que fique claro novamente.

É o instinto que te diz quando arriscar ou se é preciso apenas ouvir, única e exclusivamente, a ciência – sem chazinhos milagrosos desta vez. Também é ele que invoca a leoa que defende a cria com unhas e dentes, mas te faz enxergar o limite da exaustão e a necessidade de pedir ajuda. Quem sabe seja por ele que você rejeita o leite artificial e se joga na amamentação em livre demanda seguida pela prolongada e fica nessa até seu filho, como num passe de mágica, não querer mais mamar aos 2 anos e 10 meses – contrariando muita opinião e despertando caras feias. Aposto que ainda é ele quando naquela roda de conversa você inventa uma desculpa engraçadinha para sair do looping de comparações infinitas que alguns círculos maternos costumam travar, como quem come mais, quem chora menos e quem aprendeu a andar com oito meses dando piruetas à la Daiane dos Santos – enquanto seu filho está ali do lado, apenas existindo risonho e saudável e você, vista como ingênua, considerando uma grande conquista.

Aperte os cintos

Se você embarcou nessa (ou até mesmo caiu com ou sem paraquedas) é crucial ter em mente que a partir de agora está comprometida até o pescoço. Sabe aquele papo de correria, do dia não render e tals? Esquece. A maternidade faz com que as 24h sejam ampliadas na perspectiva de afazeres que vão além de nós mesmas, da eterna vigilância aos cuidados básicos, exigindo virarmos ambidestras ou, de repente, passar a fazer muitas coisas com apenas uma das mãos enquanto tem um bebê encaixado no outro braço. O ideal é que pelo menos mais uma pessoa esteja fazendo a parte dela e não apenas sendo um pai fofo que ajuda, mas isso é conversa para outra hora. Ser mãe é padecer, mas não fazemos filhos sozinhas. No mais, ganhei na loteria no quesito ter uma pediatra para amar e se identificar. Assim, o tempo vai passando até que bem generoso e me sinto cada vez mais craque. Tirando o fato de cada fase do desenvolvimento de um serzinho ter seus novos e desafiadores momentos, eu diria que até ficou mais fácil – mas não é para tanto. Além da beleza em si, a maternidade nos reserva infinitas surpresas.

Mãe nutella, muito prazer!

Foi pendurada nessa balança que a cada segundo pende para um lado que ouvi pela primeira vez o termo “mãe nutella”. À princípio, achei que se tratava de algo delicioso, pois amo creme de avelã. Qual foi minha reação ao saber que a famigerada e atualmente cultuada expressão vinha carregada de apontamentos – daqueles com dedo em riste, normalmente bem no meio da nossa cara. Tudo isso para chegar ao assunto principal? Achei necessário contextualizar bem para tentar não deixar nenhuma brecha. Explico: ser mãe é tão naturalmente e maravilhosamente desgastante, somos tão constantemente cobradas (e nos autocobramos) que me parecia impossível ser julgada por estar tentando manter algum equilíbrio na coisa toda. Pensou que eu falaria controle? Jamais.

Dizem por aí que a mãe nutella evita gritar (pelo menos não o tempo todo), bater e surtar. Olha, me parece viável para manter a saúde mental de uma criança. Tentar dialogar é mais desgastante mesmo, mas sigo acreditando nesse método meio fora de moda. Peguei aquela ideia de me abaixar para ficar na mesma altura, sem uma posição de superioridade e falando olho no olho, como um mantra. Se nem sempre venci a batalha, pelo menos tentei de consciência limpa. Hoje, percebo que a reação a um problema ou questionamento vem precedido de uma pergunta ou pedido e não de choros e lamentos descontrolados. A todo momento, busco evitar o medo e abusar do respeito. Estendo a replicação do comportamento a outras pessoas e contextos, da professora ao porteiro do condomínio. Quem sabe a sociedade não esteja vendo isso agora, mas desconfio que possa me sentir orgulhosa depois. Especialmente no futuro, no mercado de trabalho e no mundo que não comportará mais a proteção das minhas asas. Tampouco da minha resiliente paciência.

Não vou negar, há um vulcão em erupção aqui dentro. Além de imperfeita, vira e mexe sou tomada por sentimentos dos quais normalmente me arrependo depois. E não gosto da sensação, por que raios eu não a evitaria? Se quem vê uma criança jogada no chão do shopping gritando e esperneando a julga, o que faria com a mãe que resolve dar umas palmadas ali mesmo para conter a situação? Caso um abraço acolhedor não resolva (e eu tento, de verdade) e muito menos uma conversa (pelo menos não no auge da indignação/colapso), a respiração pode ser uma boa aliada. Qualquer movimento seu estará, na verdade, sendo meticulosamente analisado. Se bater, presa em flagrante. Se ignorar, é condenada sem direito a defesa por permissividade. Cansei só de imaginar. Se a mãe raiz agiria quase da mesma forma e a nutella pouco ou nada faria até a poeira baixar, como chamamos quem se compadece e adoraria ajudar? Confesso que já me vi diante da cena e fiquei tentando estabelecer contato visual com a adulta para que ela recebesse meu apoio e simplesmente quis ter uma brincadeira salvadora na manga para distrair o pequeno ser. Nas vezes em que senti na pele como protagonista, em praticamente todas eu sei que a vontade é de cavar um buraco e se enfiar lá dentro por um século.

Em resumo, aqui cabe a velha máxima: os pais perfeitos existem, mas eles ainda não tiveram filhos.

O tempo passa (ainda bem)

Diante da santa inquisição de olhares reprovadores te cobrando uma atitude enquanto você simplesmente se controla para aí assim tentar controlar outra pessoa, indico se fingir de estátua. Ou evitar shoppings centers – aquele ambiente é caótico em qualquer idade. A bem da verdade, eu não curto saudosismo. Essa ideia de que tudo o que fazia parte do antigamente era melhor não me convence e muito menos agrada. Se estamos em processo de evolução, por que seria diferente na criação de um filho? Dias desses, uma participante do BBB comentou que sua mãe a ignorava por horas (até dias, se não me engano) como forma de puni-la. Lá dentro do programa, ela lançou mão do mesmo recurso para, na visão dela, castigar um oponente que estaria precisando de um corretivo. Conseguem compreender que ela reproduziu uma conduta que, atualmente, após décadas de estudos e descobertas de especialistas, é considerada ineficaz? No entanto, pareceu certo para quem há 20 anos foi educada assim. Educada para quê? Me pergunto.

Neste período pandêmico, sempre que saímos de casa usamos máscara. E não por acaso, topamos com adultos sem ou no queixo. Não tenho nem resposta para explicar o motivo que leva alguém a desrespeitar uma medida tão simples tão descaradamente a quem ainda não entende como a máquina gira e muito menos compreenderia suas incontáveis arestas. Será que diante disso ser nutella é querer manter sua família segura aderindo às medidas sanitárias? Ou seríamos apenas histéricos ou tolos? Entre fazer o que se espera, o que se pede ou o que consideramos certo e coerente naquele momento, fico com a terceira alternativa. Munida de informação de qualidade, passo a nutella no pão e descanso no meme em mais um dia ganho com o mínimo de conforto e o que eu chamo de busca incessante por mais qualidade de vida.

Até a próxima!

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