Do luto que se trava a luta
O fato é que o amor sempre esteve ali.
Um milhão de coisas aconteceram, uma intensidade agressiva tomou conta dos últimos anos, entre uma série de batalhas travadas individualmente, ainda enfrentávamos uma frenética loucura política, tivemos impeachment, tivemos uma guerra fria travada com a arte e a indústria cultural do país, tivemos um maluco eleito que colocou mais um milhão de malucos para governar junto a ele, passamos por tantas derrotas enquanto sociedade, que um texto não dá conta dessa retrospectiva tanto coletiva, quanto individual- de tanta maluquice- sem ser a maluquice legal.
Tivemos uma pandemia- aliás, temos, estamos vivendo nela- a chamo carinhosamente de “quarenterna” para não a odiar- a vacina foi encontrada, apesar do presidente!
Em tempo recorde, a ciência mais uma vez salvando. Aos poucos, nós brasileiros, vamos tendo acesso a vacina, melhor do que ser plateia do restante do mundo se vacinando, a angustia da espera para os ansiosos, a alegria da espera para os otimistas.
Tudo isso acontecendo, em meio as trapalhadas dos patetas desse país que foram eleitos para governar, mas parecem protagonizar uma tragicomédia que se ocupa em atrapalhar, porém sem graça alguma, enquanto milhões de brasileiros continuam sendo vitimados, diariamente. Não temos um dia de descanso com o descaso.
Mas embora não parece, eu queria contar uma história de amor, quanto a ela eu posso afirmar que não teve um dia sequer sem pensar nele. Desde a última vez que se viram, o último encontro mais bizarro que poderia existir. Ela foi embora, com o coração em frangalhos e entendeu enfim, que só era possível amá-lo a distância. Ela sabia que se insistisse na permanência, os resultados seriam ainda piores. Já diria o meme: The life is snake!
E pensando nisso, concluo que não à toa existem tantas tragédias chamadas de amor passional. Esse enlace do amor e do ódio tão naturalizados, essa objetificação da mulher enquanto propriedade, essa misoginia arraigada nessa sociedade patriarcal que ela sempre enfrentou, mas a construção do amor romântico coloca um véu sobre nossos olhos e tirar esse véu e enxergar a realidade como ela é, dói… Mas nem ela, nem eu e nem você deveríamos julgar umas as outras sobre nosso amores odiosos, dentro da nossa própria realidade vamos repetindo padrões, coisa que eu odeio, insistimos em nos vender encaixotados e padronizados, a validação pelo olhar do outro é tão cruel.
A violência por pior que seja, não supera o amor, o amor é a grande desculpa usada para cometer as mais diversas violências e por mais que existam milhões de sensatos que dariam milhões de outros nomes, ela sabia que era amor!
Ela sempre soube, por isso ficou tanto tempo acreditando que o amor daria um jeito na agressividade, nas chantagens emocionais, nas diferenças que foram tornando-se distâncias interrompíveis. Relações abusivas! Foi aos poucos que fomos descobrindo que nome dar as coisas e que nomear todas aquelas emoções seriam fundamentais para desconstrui-las, destruí-las, viver o luto e seguir em frente.
Tinha tanto excesso de amor e ódio naquela relação impossível de ser aparado, o monstro gigante que era alimentado ainda era o amor, ele uivava dentro do seu peito toda vez que realizava que não era passível de compreensão, essa espécie de morte, lhe dava crises de ansiedade tão terríveis que dava a entender que o ar cessaria a passagem a qualquer momento. Era medo, apenas. O ar nunca parou, foram ameaças intensas, mas nunca parou. Era medo de permanecer, era medo de ir embora. Eu sabia que não se pode viver com medo. Ela tentou!
Anos mais tarde ela entendeu, que se ocupar de outros amores e outros ódios e tantas violências sistêmicas em nada ajudaria e outras lutas só estavam maquiando a dor que não queria lidar – a cura só se daria em viver o próprio luto- ela que sempre foi de luta, cegou temporariamente para as injustiças.
Teve que encarar suas limitações de frente como se enfiando a mão dentro daquela ferida cheia de histórias e arrancado da memória. Entender que precisava parar de alimentar aquele passado, que a colocou numa armadura de proteção e um couraça dura se formou ao seu redor.
O mundo vive essa pausa pandêmica e junto de todo o luto que a humanidade passa, a cura precisa ser coletiva, ninguém vai se salvar sozinho.
E ela, justamente por essa pausa no tempo e no mundo, viveu o seu luto- que tanto foi engolido em seco, definitivamente fora regurgitado. É preciso viver o luto até que vire luta pra continuar existindo de coração partido, porque a vida é essa coisa misteriosa mesmo, cheia de encontros e despedidas.
Nunca se sabe qual será o último abraço!
Antes da pandemia, abraçar era um dos seus grandes prazeres. Daqueles abraços que estralam as costas. Abraços de chegada e abraços de partidas. Abraços que tem cheiro. Partidas inesperadas e partidas minuciosamente planejadas, partidas sempre serão pontuações emocionais e se tratando de amores toda ausência é sentida.
O luto é uma luta que se trava com a ausência. A saudade é o que fica preenchendo esse vazio.
Estar vivo tem isso de sem mais, ir embora, é uma batalha longa, exaustiva e sem vitoriosos, só o tempo é capaz de amenizar o cansaço de existir sem o outro, é preciso muita compaixão para se perceber gente e aceitar as fragilidades que carregamos.
Ela fez do luto seu escudo, porque embora esse texto fale de luto, nem só de morte vive o luto. E apesar das notícias, apesar da política, apesar da pandemia, apesar de toda nossa vulnerabilidade, que ela, eu e você tenhamos força para continuar lutando pela vida, mesmo sendo obrigados a enfrentar os nossos lutos.