O papel transformador da ficção na alfabetização emocional infantil
Como a leitura de histórias pode ajudar crianças e adolescentes a reconhecer e elaborar suas emoções em um mundo cada vez mais desafiador
Estudos em psicologia da ficção mostram que narrativas literárias ajudam crianças e adolescentes a reconhecerem e processar emoções. Especialista aponta como esse potencial pode transformar a prática pedagógica.
Em tempos de aumento nos casos de ansiedade, depressão e desregulação emocional entre crianças e adolescentes, cresce o interesse por abordagens pedagógicas que incluam o desenvolvimento emocional como parte da aprendizagem. No entanto, ainda há pouca discussão sobre como a literatura e a ficção podem contribuir nesse processo — especialmente dentro da sala de aula.
Pesquisas recentes no campo da psicologia da ficção revelam que histórias ativam, no cérebro humano, as mesmas áreas que usamos ao viver experiências reais. Ou seja, quando lemos sobre um personagem enfrentando uma perda, celebrando uma conquista ou tomando uma decisão difícil, nosso corpo sente, em alguma medida, as emoções ligadas a esse enredo.
Para o pedagogo e escritor David Santos, que atua na interface entre narrativas, infância e desenvolvimento humano, essa descoberta reforça algo que a prática docente já apontava: as histórias ajudam as crianças a elaborarem o mundo interior.
“A ficção funciona como um simulador emocional. Ao acompanhar a trajetória de um personagem, a criança aprende, sem perceber, a reconhecer emoções, interpretar gestos e se colocar no lugar do outro”, explica.
Mais do que ensinar valores ou trazer lições de moral, as narrativas oferecem um espaço simbólico seguro para lidar com sentimentos difíceis, fazer perguntas e construir repertório emocional. E, nesse processo, o papel do educador é essencial.
“Não basta apenas contar ou ler histórias. É preciso criar momentos de conversa, de escuta, de elaboração. A história toca a criança — mas é a escuta do adulto que ajuda a transformar esse impacto em aprendizado”, afirma David.
A proposta de alfabetização emocional por meio da ficção também se conecta a diretrizes como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que prevê o desenvolvimento de competências socioemocionais desde a Educação Infantil. Mas, na prática, esse eixo ainda recebe pouca atenção — especialmente fora do campo da psicologia.
Para David, investir na presença intencional da ficção no cotidiano escolar é uma forma de tornar o ambiente mais humano e acolhedor. “Uma história bem escolhida pode abrir espaço para conversar sobre medo, vergonha, empatia, raiva e amor — tudo o que a criança sente, mas nem sempre sabe nomear.”
Com a valorização da saúde mental nas escolas e a urgência de promover vínculos afetivos no ambiente educacional, a leitura literária se apresenta como uma poderosa ferramenta de cuidado e transformação.
Por David Santos
Formado em Recursos Humanos, pós-graduação em Psicologia Organizacional, Bacharel em Pedagogia, autor dos livros "A menina que já nasceu criança" e “Igreja Enfeitiçada: uma análise do poder das narrativas em Judas e Bolsonaro”
Artigo de opinião