O futuro das cidades está na escuta ativa de seus moradores
Como o diálogo e a participação comunitária podem transformar desafios urbanos em soluções inovadoras e inclusivas
Em um mundo com mais de 8 bilhões de habitantes, a pergunta mais urgente para as cidades não é “quantos somos”, mas “como vivemos”. No Brasil, onde as desigualdades urbanas se aprofundam em ritmo alarmante, as cidades evidenciam que o crescimento populacional exige mais diálogo e planejamento conjunto. O Dia Mundial da População, celebrado em julho por iniciativa da ONU, convida à reflexão sobre esses desafios, especialmente em áreas como saúde, educação, saneamento e habitação, especialmente em contextos de crise, como o da emergência climática.
Segundo o Mapa da Desigualdade 2024, elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis, Recife ocupa a segunda pior posição entre as capitais brasileiras em acesso a direitos básicos, atrás apenas de Porto Velho (RO). Com cerca de 1,5 milhão de habitantes, a cidade enfrenta um cotidiano marcado por desigualdades históricas, muitas vezes agravadas pela ausência de diálogo com os territórios.
Apesar dos desafios, a capital pernambucana emerge como case de sucesso em iniciativas que apontam caminhos promissores. Um exemplo é o projeto dos Jardins Filtrantes, no entorno do Parque do Caiara. A ação trata de uma Solução Baseada na Natureza, que combina tecnologia e meio ambiente para gerar múltiplos benefícios como a redução da poluição hídrica, requalificação urbana, melhora no microclima local, otimização da qualidade de vida, promoção de lazer e educação ambiental.
Essa conquista foi alcançada por meio de metodologias participativas, como oficinas comunitárias, escutas com moradores, mapeamentos afetivos e outras ferramentas que ampliam o repertório de vozes no curso do planejamento urbano. A experiência mostra que as soluções mais eficazes surgem do encontro entre o conhecimento técnico e as demandas diretas da comunidade.
Em escala nacional, o Brasil passa por uma transição demográfica que exige novas respostas de infraestrutura, mobilidade segura e espaços de convivência. Segundo o IBGE, a proporção de idosos no país quase dobrou em duas décadas — de 8,7% para 15,6% — e, até 2070, quase 38% dos brasileiros deverão ter mais de 60 anos. Esses dados reforçam a urgência de cidades que acolham todas as fases da vida, da primeira infância à velhice.
Estar atento aos dados que emergem das transformações da população contribui diretamente para que as políticas públicas voltem-se às novas realidades. Ignorar essas mudanças é planejar para um passado; antecipá-las é garantir cidades mais justas, eficientes e preparadas para o futuro. Nesse sentido, Recife tem avançado com o Plano Recife 500 Anos, construído sobre três pilares: saber técnico, memória histórica e escuta ativa. Com essa base, o plano se mantém vivo e adaptável às transformações sociais, econômicas e ambientais da cidade.
Potencializar a população é fortalecer o pertencimento e a corresponsabilidade sobre o futuro urbano, admitindo que metodologias participativas não são mais recursos complementares, mas, sim, um componente essencial.
Por Mariana Pontes
diretora-presidente da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES); arquiteta e urbanista; MBA em Gestão de Projetos; mestrado em Desenvolvimento Urbano; certificação PMP; especialista em planejamento urbano, inovação de cidades, sustentabilidade, resiliência e redução de desigualdades.
Artigo de opinião