Sobre paternidade ou o sentimento de ser pai
por Wallisten Passos Garcia
Há algumas semanas descobri que sou pai. Minha esposa está gestante de uma menina que é fruto de um amor fortalecido. Foi uma escolha planejada e desejada. Paternidade é um conceito que vem do latim paternĭtas e que diz respeito à condição de ser pai ou, ainda, sentimentos de pai. Assumo, pela primeira vez, essa condição e me preparo para emoções nunca antes sentidas e impossíveis de serem comparadas com outras situações vivenciadas. Esse é definitivamente um daqueles acontecimentos extremamente inéditos e marcantes na vida de uma pessoa.
Acredito que um dos vínculos mais intensos que alguém pode construir é com seus filhos. E quanto mais intenso o vínculo mais vigoroso são os sentimentos. Sendo assim, terei na condição de ser pai os sentimentos mais deliciosos, mas também os mais dolorosos. O “maior amor de todos”, na definição de uma infinidade de pais, tem um grande custo, não apenas econômico, mas, principalmente, afetivo. Trata-se de um investimento que não pode ser mensurado, que exige sacrifícios, renúncias, dedicação, resignação, justificado por esse “amor maior”.
Os filhos são sempre motivadores de muitas reflexões em seus pais, desconstroem certezas, lançam desafios diários, a zona de conforto na relação filial é constantemente remexida. Nessa lida, vou tentar ser o melhor pai que eu puder, mas sei que vou falhar, pois acima da minha paternidade está minha humanidade, condição virtuosa e defeituosa, por vezes pesarosa e insustentável, outras vezes leve e suave. Quero me preparar para as minhas frustações como pai aceitando que elas são resultado da minha condição imperfeita e inafiançável de ser humano.
Nesse processo, vou trabalhar em mim o sentimento de culpa e de dívida, assim como os arrependimentos que surgem da relação com os filhos, sentimentos que muitos pais e mães me relatam. Mas também vou me preparar para todo o carinho, o afeto e o reconhecimento que terei da minha filha, pois quero ter a sensação frequente de que estou desempenhando da melhor forma que eu posso o meu papel de pai, ainda que com falhas.
Vou participar, em todos os âmbitos, da formação de um ser humano. Quanta responsabilidade há na paternidade e na maternidade! Impossível exercer sem dificuldade essa tarefa, ainda mais nesse mundo onde existe tantas faltas e limitações humanas! Será que darei conta de oferecer a segurança que ela precisa para ser uma cidadã ética e responsável? Mesmo na dúvida, eu vou tentar ser, com todas as minhas potencialidades, um exemplo positivo. Quero ensinar a minha filha valores importantes para se viver bem em sociedade: solidariedade, bondade, honestidade, empatia, diálogo, respeito, amizade, alegria, amor, união, paciência, pacificidade.
Quero mostrar a minha filha o quanto a fé é necessária na nossa passagem por esse mundo. Vou ensiná-la a ser forte e corajosa, mas também vou explicar que às vezes fracassamos e sentimos medo e não há problema em sentir-se assim. Vou mostrar que ela pode ser sensível e que isso não significa fraqueza. Quero que ela saiba reconhecer e demonstrar sentimentos de uma forma construtiva e empática. Quero que ela vá atrás de seus sonhos com determinação, mas também com paciência, pois nem tudo depende dela e nem sempre as coisas acontecerão no momento e do jeito que ela quiser.
Quero que a criança que um dia eu fui, e que ainda está presente em mim de algum modo, me lembre de como é gostoso ser criança. Quero ter disposição para brincar, imaginar e fantasiar com minha filha para que ela vivencie em plenitude a sua infância. Não quero esquecer dos limites que oferecem segurança. Quero que ela seja curiosa e perspicaz. Quero incentivá-la na leitura e na escrita despertando nela o interesse e a vontade de aprender. Quero que ela dance, cante, aprenda a tocar um instrumento musical, faça teatro, pratique um esporte. Quero que ela conviva com seus avós e aproveite o tempo ao lado dessas figuras tão importantes na vida de uma pessoa.
Na adolescência da minha filha quero me lembrar do que eu vivenciei nessa fase para ter paciência e compreensão diante de seus questionamentos e rebeldias. Quero acompanhar todas as descobertas que ela fizer sobre si, oferecendo apoio em todos os âmbitos da sua vida. Quero ser seu melhor amigo e criar uma relação de confiança pautada no diálogo e na empatia, mas quero que ela faça muitos outros amigos e tenha muitas aventuras e boas histórias para contar. Quero que ela seja autêntica, que se ame e se respeite, que tenha orgulho de si e uma boa autoestima e segurança para ser o que ela é sem se preocupar com o que os outros pensam sobre ela, mas também quero que ela saiba identificar quem são as pessoas que a amam de verdade e que escute seus conselhos e ensinamentos.
Quero que ela aproveite a sua juventude, que namore, que passeie, que conheça lugares novos. Quero que ela possa alçar altos voos, mas que saiba que sempre terá um lugar de acolhida para pousar quando retornar de suas viagens. Quero que ela estude, trabalhe, ame intensamente, invista em suas relações, tenha planos e projetos e consiga atingi-los. Se ela quiser que constitua família e tenha filhos. Se possível, quero que ela esteja ao meu lado a ao lado de sua mãe na nossa velhice, ainda que isso lhe seja custoso.
Quero tudo isso, mas se isso for deixá-la feliz. Quero respeitar seus interesses e motivações. Não quero simplesmente projetar meus desejos na construção de seu ser, mas quero desejar, quero querer, quero sonhar com toda intensidade que a condição e o sentimento de ser pai me permitem. Não quero viver para a minha filha, assim como não quero que ela viva para mim, mas quero que tenhamos laços fortes e duradouros.
Eu sei que vou ficar desesperado sem saber o que fazer em muitos momentos, mas, em outros, vou descobrir habilidades, capacidades e características que eu não imaginava que eu poderia ter ou desenvolver. Vou me autoconhecer, amadurecer e me formar pai a cada etapa do desenvolvimento da minha filha. Quero na relação com ela aprender a ser pai, sem exigir demais de mim ou dela, para junto dela fazer as melhores escolhas para nós.
Wallisten Garcia, psicólogo, mestre em Psicologia e Doutor em Educação pela UFPR, especialista em Terapia Familiar