Em algum lugar
Sempre que viajo, procuro hospedar-me em hotéis próximos a shoppings, restaurantes, lanchonetes, farmácia… enfim, perto de tudo que preciso.
Em uma dessas viagens, cheguei ao hotel num sábado à tarde, onde reinava o maior tumulto. Uma equipe de TV gravava cenas para uma série da qual não lembro o nome.
Acomodada no quarto, dormi.
Domingo desci para o “breakfast”, e vi um grupo de aproximadamente 15 pessoas, de nacionalidade nipônica, que conversava animadamente, num canto não muito distante do restaurante.
Havia mais mulheres do que homens. Mais tarde, soube que eram 8 mulheres e 6 homens.
Após o café, deixei o hotel e fui às compras.
Voltei tarde, quase morta de tanto andar e carregar sacolas.
Na segunda-feira, novamente, o grupo alegre de japoneses, tomava conta da recepção do hotel.
Quando me preparava para sair, lembrei que tinha na playlist do meu telefone, uma música lindíssima, de um cantor japonês, conhecida com o título de Sukiyaki (o título original não é este, mas foi com ele que se tornou mundialmente conhecida).
Um pouco sem jeito, me aproximei e perguntei se algum deles falava português. Muito mal (de pronúncia), um respondeu que sim, então pedi para mostrar algo para eles, assentiram, liguei o telefone e coloquei na música da terra deles. Ficaram encantados. Uma das mulheres levantou-se e começou a dançar, sendo seguida pelas outras.
Uma outra puxou-me pela mão e juntei-me; elas numa coreografia lenta e graciosa, de gestos delicados que com certeza fazia parte da tradição do seu país. Errando muito consegui chegar ao final da música e da dança.
Agradeci a atenção e o convite (para dançar) e me despedi do usual modo japonês (e outros países orientais), juntando as mãos e inclinando-me para a frente e fui…
Terça-feira, mal havia descido as escadas e eles já estavam em pé, acenando para mim, como se eu fora uma velha conhecida. Fui até eles para cumprimentá-los e convidaram-me para fazer o desjejum junto a eles (muito diferente do nosso!).
Aceitei e mais uma vez dançamos ao som de Sukiyaki.
E assim fizemos até sexta-feira.
Mas havia algo de estranho no ar.
Sábado, já estava preparada para a coreografia, desci, mas não ouvi a risada que já estava acostumada a escutar desde a escada. A mesa estava vazia. Ninguém acenando para mim. Ninguém para dançar. Ninguém. Nada.
Sem ação, fiquei parada no meio do caminho, sem entender o que havia acontecido. Para onde eles foram? Por que não estavam lá? O que houve?
Um funcionário da recepção veio até mim e contou que eles haviam partido de madrugada… que não quiseram despedidas porque queriam levar na lembrança, os bons e alegres momentos que tivemos juntos.
Guiou-me até uma mesa e entregou-me uma caixa (vermelha), com 14 pingentes (miniaturas), em forma de aves, bandeira, cerejeira (árvore), flores de cerejeira, animais (gato, cachorro e outros) e um bilhete, desejando que a minha vida fosse longa e feliz … só então voltei a mim e … chorei …
Fiquei muito tempo olhando para os pingentes e pensando qual era de quem e o que simbolizavam. E não foi preciso muito esforço para eu entender que expressavam a nossa amizade, que seria eternizada naquelas miniaturas … “amizade não precisa ser demonstrada com presentes grandes e caros” …
Que a flor de cerejeira que brotou em nossos corações, lá permanecerá além da vida.
Mesmo depois de tanto tempo, ainda hoje penso neles com carinho e saudade e espero que em algum lugar do Japão, aquelas pessoas alegres, de olhos puxados, sorridentes e barulhentos, não tenham esquecido de quem jamais os esquecerá.
SAYONARA…
PS: Ao casal japonês que conheci, Sra. Márcia e Sr. Minoro, o meu abraço afetuoso.
Sukiyaki (Ue o muite arukou) by Kyu Sakamoto