Como o estresse na pandemia se tornou um gatilho para as alterações metabólicas
As consequências da pandemia não se restringiram às crises sanitária, econômica, política e social. Na saúde, sem falar da própria covid-19, tivemos uma série de complicações em decorrência da quarentena, especialmente em relação à saúde mental. Desde o início da pandemia, um dos sintomas mais prevalentes foi o estresse. Um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UEFJ) apontou que o número de pessoas com estresse agudo praticamente dobrou entre março e abril de 2020.
“As mudanças nos hábitos de vida e no comportamento impostas pela pandemia resultaram em muitas alterações psíquicas com piora e/ou surgimento de quadros de ansiedade/depressão, assim como alterações metabólicas e danos ao organismo como um todo”, afirma a Dra. Claudia Chang, pós doutora em endocrinologia e metabologia pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Estresse e as disfunções no sistema metabólico
Ainda que o estresse seja fundamental para a sobrevivência de um organismo, os efeitos dos principais mediadores induzidos pelo estresse agudo podem ter resultados bem negativos, como variações na pressão arterial, dores difusas pelo corpo e problemas gastrointestinais, afetando, inclusive, a saúde mental, podendo levar a ataques de pânico e depressão.
“O estresse crônico causa um aumento de hormônios, como cortisol, adrenalina e noradrenalina. As consequências endócrinas do efeito aumentado dos glicocorticoides incluem ganho de peso com acúmulo de gordura visceral, o que contribui para alterações nos parâmetros que compõem a síndrome metabólica: dislipidemia (alterações de colesterol e/ou triglicérides), hipertensão arterial e diabetes tipo 2, que podem levar a doenças cardiovasculares”, explica Claudia Chang.
Excesso de comida: muleta para a mente
Em condições de estresse, angústia e distúrbios emocionais, a comida se torna uma “muleta”, ou refúgio. Alguns alimentos ativam o sistema límbico no cérebro, região envolvida com o mecanismo de “ganho e recompensa”. Por exemplo, ao comer doces, há uma diminuição momentânea da ansiedade. Este efeito acaba sendo registrado pelo cérebro como uma solução para combater o estresse.
“Ou seja, toda vez que a pessoa estiver ansiosa, automaticamente haverá uma associação aos doces, como uma espécie de alívio e fuga do estado emocional. Além disso, o doce é muito palatável, fazendo com que a pessoa fique condicionada a ele nos momentos de tensão, já que o alimento não só proporciona uma sensação de prazer como diminui a ansiedade”.
No entanto, este suposto bem-estar acabará se transformando em ganho de peso. Segundo a especialista, o acúmulo de gordura corporal associado à redução da massa magra e ao emocional comprometido, contribui para o agravamento da resistência à insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas que põe a glicose do sangue para “dentro” das células. Quando se está acima do peso ou com excesso de concentração de gordura na região abdominal, a insulina passa a ter dificuldade para agir, instalando-se assim um quadro de resistência. Para impedir esta resistência, o pâncreas passa a produzir mais insulina.
“O problema é que a insulina em excesso gera ganho de peso (ela é um hormônio que “aumenta” as células de gordura), estabelecendo um ciclo vicioso. Como o pâncreas tem sua demanda metabólica muito aumentada (trabalha muito acima da capacidade que deveria), pode não conseguir mais manter este ‘ritmo de produção’. Daí, surgem as alterações glicêmicas que vão desde pré diabetes até o diagnóstico de diabetes franco”, pontua a endocrinologista.
“Em suma, nestes tempos de estresse constante, quebra de rotina, falta de perspectiva e de controle sobre a situação, torna-se necessário estabelecer novos padrões de comportamento que auxiliem no processo de mudança para uma vida mais saudável. Se for preciso, busque ajuda de um especialista”, finaliza Claudia Chang.