Assediador no ambiente de trabalho tem mesmo perfil de agressor doméstico, afirma especialista
Após anos analisando depoimentos de mulheres assediadas sexualmente e moralmente no ambiente de trabalho, a advogada Mayra Cotta, fundadora da Bastet Compliance de Gênero, cruzou informações e concluiu que o perfil do assediador no meio profissional se equivale ao do agressor sexual doméstico. A afirmação foi feita durante o XIV Seminário Viver Mulher, nesta quinta-feira (18), evento que ocorreu on-line, por forças da pandemia, e que é realizado periodicamente pela CONTRATUH, confederação que representa mais de 4 milhões de profissionais do Turismo e Hospitalidade no Brasil.
“Chefes assediadores tem comportamentos idênticos a maridos agressores. Os relatos são parecidos com de mulheres que sofrem violência doméstica: ele isola a vítima, manipula, fragiliza autoestima, faz a vítima duvidar da necessidade de ajuda, se arrepende de algo mais enérgico que fez, pede desculpa, mas a gente sabe que não muda. Igual ao marido assediador”, explica Cotta.
Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), em 2019, foram registradas mais de 300 denúncias de assédio sexual contra as mulheres no trabalho. Isso sem contar com a subnotificação dos casos, devido à ausência de canais de denúncia, de legislação que verse especificamente sobre o assunto, da própria cultura machista e do consequente medo da vítima em denunciar o agressor.
Sobre os casos de denúncia, a advogada explica que a mulher passa por problemas de credibilidade, pois o assediador pode ter comportamento idôneo perto de outras pessoas. “Acreditar na mulher, quando ela denuncia, é importante. Em muitos casos, quando ela comenta sobre o assédio, os colegas duvidam, afirmam que não pode ser, pois o comportamento desse assediador em público é, muitas vezes, de uma pessoa íntegra. E esse tipo de comportamento inibe a denúncia”, alerta a advogada.
Convenção da OIT pode mudar essa realidade
Durante o evento, a palestrante Jaqueline Leite, integrante do Comitê Latinoamericano de Mulheres (Clamu) da UITA, organização internacional pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, reforçou a importância de políticas dentro das empresas que reprimam o assédio e respeitem os direitos das trabalhadoras.
“A cada 10 pessoas que sofrem violência no mundo do trabalho, 08 são mulheres. Essa violência ou esse assédio acham que é só no ambiente de trabalho, mas abrange o espaço on-line, muitas vezes esse assédio pode ser dentro de uma viagem. Também está na confraternização de empresas fora do ambiente de trabalho. Cláusulas específicas nas convenções coletivas podem mudar essa realidade”, disse.
Jaqueline afirma que a Convenção 190, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pode mudar essa realidade, mesmo sem apoio do atual governo. “Embora seja signatário da OIT, o Brasil não ratificou a Convenção 190, que indica regras e parâmetros para coibir a violência e o assédio no mundo do trabalho, dando relevância para o recorte de gênero”, afirma.
Mesmo assim, a especialista acredita que os sindicatos podem colocar várias cláusulas desse documento em suas convenções coletivas de trabalho, reforçando a defesa pelos direitos das mulehres e pela igualdade de gênero.
“Existem vários pontos dessa convenção 190 que podem ser discutidas nas negociações de trabalho, implementadas nas convenções coletivas e aplicadas. Só esse movimento dos sindicatos, com as empresas, pode reduzir muito o problema do assédio no ambiente de trabalho”, afirma.
Para Maria dos Anjos Hellmeister, Secretária da Mulher da CONTRATUH, o próximo passo é entrar na vanguarda dessa discussão no Brasil e instruir os sindicatos filiados à confederação, para começar um movimento em prol da Convenção 190 da OIT. “Temos mais de quatro milhões de filiados e filiadas. No setor de Turismo, a mulher é ampla maioria e os casos de assédio no setor são altíssimos. Iremos buscar as entidades filiadas para rediscutir as convenções coletivas de trabalho e tentar aplicar essas cláusulas da OIT”, diz.
“Vamos tentar mudar ainda mais essa realidade da mulher trabalhadora brasileira, que j;a sofre com a tripla jornada, com tantas dificuldades relativas ao gênero, e que muitas vezes não tem paz nem mesmo no seu ambiente de trabalho. Uma sociedade mais justa e democrática exige a igualdade de gênero e o respeito à mulher”, concluiu Maria dos Anjos.