Maternidade x Mercado de Trabalho: Por que tão cruel?

Sempre te quis, você me esnobou.

Para ler ouvindo: Nem Luxo, Nem Lixo – Rita Lee

Não é bem que o mercado de trabalho tenha me esnobado, assim, no literal. Acontece que as oportunidades que surgiram pós-maternidade me viam, digamos, como uma combatente eficaz de baixo custo. Por conta disso, a modalidade home office passou a ser “ofertada” como plus da vaga em si – uma espécie de superbenefício.

A essa altura, creio que todos concordamos que trabalhar em casa com uma criança pequena (ou mais) a tiracolo não pode (não deve) ser considerado um bônus, certo? Imagino que a pandemia escancarou isso pra muita gente que, inclusive, nem imaginava e pôde sentir na pele (vi relatos não muito empolgados sobre a experiência nas redes sociais). Teria sido maravilhoso se não precisássemos de um contexto pandêmico para que mais pessoas se dessem conta da realidade vivida por muitas mães, mas como aconteceu é importante que agora reflitam e lutem conosco para que nossos cotidianos melhorem. Esclarecido esse ponto, vou contar um pouco da minha trajetória profissional desde que me tornei uma jornalista que virou mãe.

Meu filho tinha apenas quatro meses quando a licença-maternidade simplesmente evaporou. Os seios jorravam leite ainda um pouco descompassados. Se os 120 dias em que eu pude, pela lei trabalhista, ser mãe em tempo integral não foram suficientes nem para que meu fisiológico adequasse a produção do único alimento consumido pelo bebê até então (o que se estendeu exclusivo e em livre demanda até ele completar 6 – seguidos de 2 anos e 6 meses de amamentação), o que dizer do psicológico prestes a se separar da cria por pelo menos 9h diárias. Foi essa a proposta que encontrei na agência em que eu trabalhava fazia dois anos. Voltar ao normal, como se nada tivesse acontecido. Mas, peraí, agora eu sou mãe e quer dizer que o mercado de trabalho não tem nada a ver com isso? Exatamente!

Se eu contasse com uma rede de apoio até poderia ter considerado o retorno. Comecei a trabalhar bem nova, tinha 16 anos. Com a conquista do Prouni, ao longo da faculdade estagiei muito e vivi quatro anos de intensos aprendizados e perrengues. Depois de formada, tive a sorte de conseguir um emprego na área logo após a colação de grau: repórter numa revista especializada. Era a realização de um sonho. Viajei de avião pela primeira vez, cobri feiras Brasil afora, conheci meu marido (que primeiro foi colega de firma), aprendi a ser jornalista na prática e na marra. Parti alçar voos mais altos, fui parar na assessoria de imprensa até chegar à produção de conteúdo para publicidade. Era lá que eu estava quando descobri a gravidez de 8 semanas.

Não tinha como dizer que eu não estava realizada profissionalmente. O salário era bom e compatível, a rotina tranquila e os desafios frequentes. Existia também um clima motivador constante que me impulsionava a produzir cada vez mais e melhor. E podia constatar com certeza a cada feedback recebido dos colegas e, sobretudo, superiores. Só que depois de ser mãe não é que tudo tenha perdido sua importância e lugar, mas automaticamente deixaram de ser prioridade quase absoluta – que ao meu ver, até certa altura, só é real quando assumidamente no singular. Passou a ser inconcebível ficar tanto tempo ausente tendo um ser humano codependente de mim no aguardo. Claro que ele poderia se adaptar, ambos poderíamos. A bem da verdade, nunca foi o que eu quis em se tratando, especialmente, da primeira infância.

Sempre associei a maternidade a sacrifícios, pude ver os que minha mãe fez para criar eu e meu irmão sozinha. Quando decidi que seria a minha vez, prometi a mim mesma que usaria todo o meu privilégio atual para fazer diferente. Qual foi minha surpresa ao ver que apesar de todos os avanços e conquistas das mulheres, num ponto pouco (ou nada) havia mudado. No fim das contas, era preciso novamente escolher: maternidade ou carreira – quando o que eu mais queria era trocar as conjunções, substituindo o “ou” pelo “e”. Por que seria impossível fazer as duas coisas se me sentia capaz e forte para tanto? Pois bem, não aconteceu… alguns alegavam a CLT, outros o sindicato, talvez tenha ouvido falar algo sobre posição lunar. E olha que eu pelo menos tinha uma escolha, a tantas sequer uma chance.

Graças ao poder feminino não fiquei completamente desamparada. Logo, minha recém-ex-chefe (hoje amiga) me colocou para fazer o primeiro freela. E um dos grandes. Apesar de ter começado com o pé esquerdo na reunião que era pra ter durado 1h (previamente e meticulosamente combinada) e acabou levando 4h, aquilo foi duplamente surpreendente – primeiro pelo leite que começou a jorrar, sorte que estava frio e pude disfarçar com o casaco. Segundo por ela que acreditou em mim no discurso e fez por onde para me garantir no jogo. Depois daquele, muitos outros trampos se originaram dessa parceria que eu tenho orgulho de ostentar no currículo. Voltei para as reportagens e assinei cerca de 20 vezes o expediente de mais uma revista, tudo aqui do meu quadrado. Era corrido, estressante e até um pouco triste pela ausência de colegas com quem trocar ideias e pelo fato de muitas vezes trabalhar de pijama (o que não me dá tesão, podem acreditar). No entanto, era a única maneira de seguir economicamente ativa (em nota: produzindo praticamente igual e ganhando menos, é claro) com o poder de olhar para o lado e ver meu menino crescendo, acompanhar cada estágio do seu desenvolvimento.

Os dois aninhos chegaram e com eles a escola meio-período. Profissionalmente falando, pensei comigo mesma: “é perfeito, chegou a hora de voltar a sair para trabalhar”. Óbvio que eu sentia falta de exercer a profissão que eu lutei tanto para conseguir, de ser respeitada, de me arrumar e ir à luta com determinação. Aqui vale dizer que em todo tempo que atuei compulsoriamente em home office, a maioria esmagadora dos conhecidos ao meu redor pensavam que era balela. Justificavam saindo à minha procura a qualquer hora do dia, pois supostamente eu estava em casa apenas cuidando do filho (o que, por si só, é um grande e exaustivo empenho não devidamente valorizado). Quando passei a ter as tardes totalmente livres para me dedicar aos compromissos profissionais, precisei lidar com visitas inesperadas e pedidos inusitados de quem não acreditava ser possível produzir algo direto de um escritório “doméstico”. Mal sabiam eles o quanto eu produzia, gráficos em alta que meus exames passaram a alertar tamanha a carga de pressão dessa jornada, que envolve se concentrar nas demandas com um lar pulsando a mil por hora ao redor. Diferentemente de estar na empresa, quando é possível abstrair a montanha de roupas, o chão sujo, o doguinho que late e a pilha de louça para lavar. É extremamente difícil estabelecer limites entre maternidade, trabalho e descanso. Arrisco dizer que é quase insalubre.

Eis que a luz no fim do túnel finalmente parecia ter chegado e recebo uma proposta para cobrir férias em uma das maiores agências de Curitiba, com sedes em várias outras cidades. Tudo perfeito, passava a manhã com meu pequeno, almoçávamos juntos, o deixava no portão do colégio e seguia meu caminho. Não precisava me preocupar com a hora da saída escolar, pois aí quem entrava em cena era o pai. Dois períodos do dia, cada qual com um dos meus papéis. O que era para ser um mês, virou três e com proposta de contratação no final. Para minha surpresa, não da maneira como havia sido e eu teria que voltar ao velho modelo das 9h às 18h. Tive o apoio de outra mulher que admiro muito, a coordenadora que não pensaria duas vezes em alterar o ponto não fosse o fato de estar de mãos atadas por burocracias engessadas. Segundo ela, o que eu produzia era muito mais importante e interessante para a empresa do que meu horário de chegada. Pena que apenas ela enxergava.

 

Falando em enxergar

Olhava com extrema admiração as professoras do Pedro chegando de mãos dadas com seus filhos pequenos para mais uma tarde de labuta. Eram eles em suas respectivas salas de aula e elas lecionando para seus alunos. Ao final, o reencontro dentro do mesmo espaço físico e a volta juntos para casa. Da mesma forma, fico pensando nas jornalistas que atuam em empresas que seguem as leis sindicais: 5h por dia. Oportunidades praticamente contadas nos dedos numa grande cidade como a nossa e que dificilmente vagam por aí (não por acaso). Seria o meu ideal unir os dois lados da equação: as dificuldades comuns de ser mãe e profissional, porém com a tranquilidade de estar perto por mais tempo e longe dentro do limite aceitável/saudável. Não ter conseguido um emprego de meio-período para conciliar carreira e maternidade foi um dos maiores banhos de água fria que já tomei.

Todos os dias me pergunto o que leva o mercado de trabalho a fazer com que as mulheres precisem tomar decisões como essa. Levando-as a viverem sob a ótica da culpa – seja lá de que lado uma mãe trabalhadora esteja, atuando fora, dentro ou fora e dentro de casa. Ao explorar a mão de obra empreendedora, deixando-nos sem as merecidas perspectivas. Até mesmo dispensando sem dó e nem piedade exímios talentos por conta da possibilidade de faltas justificadas por uma febre alta, só que não minha. A maternidade não é um fardo, pelo contrário, despertou o que há de melhor e mais poderoso em mim. Mas ela requer tempo, atenção e cuidado. Não queremos ser supermães, nem superprofissionais, muito menos supermulheres. Merecemos apenas que haja um olhar generoso e, sobretudo, real sobre o que significa gerar e parir sem deixar de lado a mulher que está no centro disso tudo. E que sim, podemos fazer muita diferença. Se estamos engajadas no projeto de formar um cidadão do futuro, imaginem o quanto somos capazes. Apenas nos deem a oportunidade de voltar a campo e mostrar, sem que para isso precisemos fazer de conta que não somos mães.

Até a próxima!

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