Resultados esportivos em meio à pandemia surpreendem e desafiam a ciência do esporte

Com o novo coronavírus espalhando-se rapidamente ao redor do mundo, 2020 foi visto como um “ano perdido” para o esporte. Foram eventos adiados – incluindo os Jogos Olímpicos de Tóquio -, centros de treinamentos fechados e atletas tendo que se organizar para manter uma rotina de treinamento minimamente aceitável.

 

Esportistas que estavam acostumados a se preparar acompanhados por treinadores, médicos, fisioterapeutas, fisiologistas e os mais diversos profissionais das ciências do esporte passaram a treinar praticamente sozinhos. Mas, pouco a pouco, as competições foram retornando.

 

“Contrariando quaisquer expectativas, resultados surpreendentes foram sendo vistos um atrás do outro, incluindo grande números de melhores marcas pessoais e recordes mundiais em diferentes competições, de diferentes modalidades, e com atletas de diferentes partes do mundo”, contabiliza o médico do esporte, João Hollanda.

 

Bons resultados no atletismo e na natação

 

No atletismo, por exemplo, uma série de marcas foram superadas. O corredor ugandense Joshua Cheptegei bateu o recorde mundial dos 5.000 m na etapa de Mônaco da Diamond League no dia 14 de agosto. Em 7 de outubro, o mesmo atleta bateu o recorde mundial dos 10.000 m em Valência, na Espanha.

 

Hollanda traz outros exemplos. “A etíope Letesenbet Gidey quebrou o recorde mundial dos 5.000 m feminino na mesma competição em Valência. O atleta sueco Armand Duplantis bateu o recorde mundial do salto com vara na etapa de Roma da Diamond League, em 17 de setembro. Já a queniana Peres Jepchirchir quebrou o recorde mundial da meia maratona no Campeonato Mundial de Meia Maratona em Gdynia, na Polônia, em 17 de outubro.”

 

Na natação, mais ganhos expressivos. O norte-americano Caeleb Dressel bateu três recordes mundiais durante a final da Liga Internacional de Natação, entre os dias 21 e 22 de novembro: 100m Medley, 100m Borboleta e 50m Livre. Na mesma competição, Adam Petty quebrou o recorde mundial dos 100m Peito e a equipe feminina dos Estados Unidos bateu o recorde mundial dos 4×100 Medley.

 

Gestores e analistas de desempenho estão neste momento estudando e tentando entender o que poderia ter contribuído para tais resultados em meio a uma pandemia. “Como todos esses resultados foram possíveis com as dificuldades que estamos passando? Será que todo o suporte que é oferecido aos atletas nos seus treinos regulares está atrapalhando de alguma forma? Por enquanto, ninguém tem essas respostas, há apenas hipóteses”, considera Hollanda.

 

Doping

Hollanda não acredita que as performances dos atletas sejam fruto de doping. “Existe a possibilidade de que o afastamento de competições e o isolamento social possam levar atletas a se doparem, mas parece bem pouco provável”, ressalta.

 

Ele aponta que os testes feitos fora das competições continuam sendo realizados, seguindo os mesmos parâmetros de antes da pandemia, e não foi identificado aumento no número de resultados positivos para dopping. “Além disso, os recordes foram quebrados em diferentes modalidades e por atletas de diversos países. Dificilmente o doping espalharia-se desta maneira, sem ser detectado pelos órgãos fiscalizadores.”

 

Excesso de competições

Atletas de elite estão regularmente viajando para várias partes do mundo para competir. Além do tempo perdido com as viagens, há o desgaste dos voos, o jetlag, a mudança na rotina alimentar e nas instalações esportivas. Com menos competições ocorrendo, os prejuízos de uma rotina acelerada são amenizados.

 

“Tudo isso prejudica os treinamentos e o condicionamento físico. Além disso, o atleta modifica sua rotina de treinos para potencializar o resultado em determinada competição. No médio prazo, o desempenho pode acabar comprometido”, explica Hollanda.

 

Foco no treino e na recuperação

Para aqueles que foram capazes de manter uma rotina de treino regular quando não estavam em competição, a falta de opções de lazer pode ter forçado os atletas a permanecerem em casa se recuperando. “Considerando a importância que se dá para a recuperação pós-treino nos dias de hoje, isso pode ter influenciado o resultado”, acredita o médico.

 

Os caminhos do esporte

Hollanda acredita que os caminhos que os gestores e estudiosos do esporte seguirão frente a essas informações é difícil de prever. “Considerando-se uma das hipóteses mais plausíveis, que é a do excesso de competições, será preciso avaliar se os treinadores serão capazes de enfrentar a atração que a máquina do dinheiro oferece a cada grande competição.”

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