Maior parte das vítimas de violência obstétrica é de mulheres negras

A Frente Parlamentar de Combate à Violência Obstétrica e Mortalidade Materna realiza nesta sexta-feira (10/6), às 10h, uma inspeção técnica na Maternidade Municipal Mário Niajar, em São Gonçalo. A visita à unidade de saúde é a primeira atividade da frente parlamentar, instalada nesta quinta-feira (9/6), na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Presidido pela deputada estadual Mônica Francisco, o trabalho dos grupo tem o objetivo de reforçar as ações de enfrentamento da morte materna e da violência obstétrica, um grave problema de saúde pública no Brasil, com reflexos no Estado do Rio, onde os registros mais que dobraram durante a pandemia.

“A frente nasce da necessidade de tirar da invisibilidade os altos índices de mortalidade materna e os casos de violência obstétrica que ocorrem no Estado do Rio. Entre as vítimas, mais de 60% são mulheres negras, um absurdo que revela o racismo institucional em sua forma bruta. Não podemos aceitar que, em pleno século XXI, com todos os protocolos de atendimento já desenvolvidos, que a morte materna tenha um limite aceitável. O governo do Rio precisa agir para que esses números parem de crescer”, alertou Mônica Francisco.

Além de Mônica Francisco, integram a Frente Parlamentar de Combate à Violência Obstétrica e Mortalidade Materna as deputadas estaduais Tia Ju, Zeidan, Enfermeira Rejane, Martha Rocha, Renata Souza e o deputado Carlos Minc. A formação da frente atende a um apelo da sociedade civil e de entidades que lutam pelos direitos das mulheres e contra o racismo institucional, como a ONG Criola e o Movimento de Mulheres de São Gonçalo.

O atendimento na Maternidade Municipal Mário Niajar, de São Gonçalo, que será inspecionada pela frente parlamentar nesta sexta-feira (10/6), é alvo de queixas que chegaram ao mandato de Mônica Francisco. As mulheres relatam demora na realização do parto, de exames e de outros  procedimentos, além de descaso na prestação do serviço. Recentemente, o mandato da deputada estadual também tomou ciência de três óbitos maternos no Hospital Azevedo Lima, em Niterói, além de várias denúncias de violência obstétrica.

“Não dá para chegarmos a 2022 com tanta morte materna e com mulher sendo tratada com violência. Existem vários protocolos e, ainda assim, os óbitos têm aumentado. É preciso lançar luz sobre essa questão, que fere, frontalmente, o direito das mulheres, principalmente as negras e trans. O aumento das estatísticas não ocorre à toa. Tanguá, por exemplo, não tem maternidade e as mulheres precisam se deslocar para o parto. A obra do Hospital Estadual da Mãe de São Gonçalo segue parada. A gente precisa entender como ocorre esse processo social para avançar no debate”, afirmou a Enfermeira Rejane.

De acordo com o Painel de Monitoramento de Mortalidade Materna do Brasil, a taxa de mortalidade materna no país saltou de 57,9 para 107,5 a cada 100 mil nascidos vivos entre 2019 e 2021, sendo 61,3% destas de mulheres negras, segundo dados do Ministério da Saúde. Esses índices retratam um retrocesso nas políticas públicas de atendimento às gestantes, uma vez que são similares aos da década de 1990. Só para comparar, os países desenvolvidos têm uma razão de mortalidade materna de 12 mortes por 100 mil nascimentos, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

No Estado do Rio, a taxa de mortalidade materna a cada 100 mil nascidos vivos mais que dobrou, saltando de 73,5 em 2019, antes da Covid-19, para 155 em 2021, segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), filtrados pela plataforma de informações da Secretaria estadual de Saúde, o Tabnet. O grave cenário de mortalidade materna expõe o racismo dentro das unidades de saúde. De acordo com a ONG Criola,  levantamento dos dados do SIM/SISMAT sobre o município do Rio aponta que, de janeiro a julho de 2021, foram registrados 80 óbitos maternos, quase o total de 2020 (83): 47 foram por COVID-19 e 33 por outras causas.  Das 80 mulheres mortas, 56 eram negras e 24, brancas.

Os óbitos evidenciam falhas na gestão pública, uma vez que a maior parte deles poderia ter sido evitada com medidas como pré-natal correto, vigilância da pressão e da taxa de glicose, entre outros cuidados já estabelecidos em protocolos bem definidos. No entanto, na prática, as gestantes se deparam com uma série de problemas que culminam no óbito. Além da precariedade das maternidades de referência, com equipes de saúde reduzidas e equipamentos insuficientes para dar conta da demanda, as mulheres negras encaram o racismo obstétrico, que se manifesta quando elas se veem esquecidas nas emergências, têm o parto realizado muito depois da hora ou são tratadas pelos médicos com xingamentos e humilhações.

“Esta frente será fértil e muito importante para as mulheres do Estado do Rio. Não é por acaso que o aumento de morte materna incide sobre mulheres negras. É um momento em que as mulheres vivem uma violência efetiva, praticada por quem deveria oferecer qualidade”, diz  a deputada Martha Rocha.

Morte materna é um dos principais indicadores de saúde coletiva.  A Organização Mundial de Saúde (OMS) aplica o termo para mortes relacionadas à gravidez, ou piorados por ela, que ocorram durante a gestação, até 42 dias após o parto ou depois de eventual perda gestacional. Em muitos casos, a morte de mães se torna uma tragédia social com desdobramentos sobre o futuro dos filhos. O Rio de Janeiro é a cidade brasileira com maior percentual de mulheres chefes de família: elas respondem por 81% do total de responsáveis inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal e por 87% dos que recebem o Bolsa Família, de acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social.

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