É impossível ser feliz sozinha?
por Sara Campagnaro
Este poderia ser um texto sobre amor, até porque o título nos remete à solidão do amor romântico. Mas não, este não é um texto sobre o amor e a falta dele. Este é um texto sobre solidão e solitude, algo que acomete a todas as pessoas em algum momento de suas vidas. São estados diferentes, que trazem sentimentos e sensações diferenciadas. São modos de encarar o estar só a partir de experiências distintas.
Curioso pensar que para a maioria das mulheres a solidão remete a se imaginar sozinha, sem um parceiro, namorado, marido. Como se a solidão fosse não ter um relacionamento amoroso. A antropóloga mexicana Marcela Lagarde de los Ríos, em um dos seus vários textos e pesquisas sobre mulheres, explica que “nos ensinaram – a nós mulheres – a ter medo da liberdade; medo de tomar decisões, medo da solidão. O medo à solidão é um grande impedimento na construção da autonomia, porque desde muito pequenas e toda a vida nos formaram no sentimento de orfandade; porque nos fizeram profundamente dependentes dos demais e nos fizeram sentir que a solidão é negativa, ao redor da qual há toda uma classe de mitos. Esta construção se reforça com expressões como as seguintes: “Vai ficar sozinha?”, “Por que tão sozinhas garotas?”, mesmo quando estamos em muitas mulheres juntas.”
Mulheres são educadas, desde muito pequenas, a imaginar suas vidas junto a de outra pessoa e a ter medo, de um dia, se imaginarem sozinhas. Muitas vezes questionadas do por quê estarem sozinhas em uma viagem, no cinema, no bar. Mas o que significa estar só? Na sociedade patriarcal, androcêntrica e heteronormativa, significa não ter um homem ao seu lado. Mas o que realmente significa estar só? Porque, se nos afastarmos desta ideia patriarcal, estar ou não em uma relação amorosa não configura solidão. Se pararmos para refletir, nunca estamos sós, pois vivemos em sociedade, rodeadas de pessoas. Temos nossa família, amigos, colegas de trabalho, pessoas aleatórias que conversamos ocasionalmente. Literalmente sozinhas não estamos.
A solidão é um sentimento comumente relacionado a tristeza, a dor, a acreditar que não temos ninguém para nos dar suporte. Às vezes atrelada à rejeição, ao abandono. É a sensação de que escolheram nos deixar de lado. Viver a solidão muitas vezes nos paralisa, nos impede de tentar entender o por que deste sentimento ou da situação que nos levou a este estado. É como se estar sozinhas fosse errado, fora do esperado. Geralmente quando alguém diz se sentir sozinha é por conta da sensação de afastamento de pessoas queridas. E aí os pensamentos voam: “Será que ninguém lembra de mim? Por que minhas amigas não me mandam mensagem? Por que não me convidam para sair? O que fiz de errado? Por que ninguém me ama? Será que sou chata?” São estes sentidos relacionados ao sentimento de solidão que atrapalham nossa experiência de ser e estar com os outros, que impedem nossa autonomia de chegar e perguntar aos amigos e amigas o que está acontecendo.
Em contrapartida, temos a solitude, que é uma escolha pessoal por estar sozinha. É a capacidade de ficar só de maneira positiva. Habilidade que pode ser desenvolvida ao longo da vida. Somos seres sociais, mas também precisamos dos nossos momentos a sós, fazer o que gostamos, descobrir nossos gostos para além do “ser-com-o-outro”. A solitude nos trás a possibilidade do autoconhecimento, extremamente necessário para que possamos viver de modo mais saudável nossas relações sociais. Quanto mais me conheço, mais sei das minhas preferências e limites frente à minha família, amigos e relações amorosas. Escolher momentos de solitude é ter a chance de criar autonomia, exercer nossa criatividade, cuidar de nós mesmas.
Ao viver em uma sociedade sobre as regras patriarcais nós mulheres acabamos sendo privadas de aprender a estar sozinhas de maneira positiva. Somos educadas para dar sentido ao estar só como algo ruim, como solidão. É importante (re)aprender a olhar para estes momentos de modo positivo, estar só como solitude, como autocuidado. Mais importante ainda, é ensinar para as novas gerações, para as pequenas meninas, como é bom escolher ficar só de vez em quando, como é importante fazer coisas sozinhas, ser independente. Ensinar para as adolescentes, que está tudo bem ir ao cinema sozinha, fazer um curso sozinha, que encontrar um namorado não precisa ser prioridade. Existem tantas outras boas experiências que podem vir antes, durante e depois de um relacionamento. Vivências pessoais importantes.
Então, é impossível ser feliz sozinha? Claro que não!! Estar só de maneira positiva é criar autonomia, independência e autoconfiança. É acertar, errar, aprender, se conhecer. É estar entre amigas, trabalhar com aquilo que faz sentido. Sair sozinha, comprar uma pipoca na praça, sentar no banquinho embaixo de uma árvore sentindo o vento bater no seu rosto. Degustar deste momento a sós. Sim, é possível ser feliz sozinha.
Referências:
LAGARDE Y DE LOS RIOS, Marcela. A solidão e a desolação. Tradução: Hembrista. 2018. Disponível em: <https://medium.com/arquivo-radical/a-solidão-e-a-desolação-536e8250479>.
MANSUR, Luci Helena Baraldo. Solitude: virando a solidão pelo avesso. Ide (São Paulo), São Paulo , v. 31, n. 46, p. 38-45, jun. 2008 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062008000100007&lng=pt&nrm=iso>.
Sara Campagnaro é psicóloga, professora na Estácio Curitiba, Especialista em Psicologia Fenomenológico-Existencial e Mestra em Educação. Coordena o grupo de estudos “Psicologia & Feminismo”.