No Brasil, refugiadas recomeçam por meio da gastronomia
Trazendo o sabor de sua terra natal para o Brasil, a venezuelana Gardenia Cooper Queiroz (31) vende empanadas na cidade de Belém, no Pará. Na pequena casa que comporta ela e seus quatro filhos, prepara o salgado típico com recheio de carne e frango, com um toque abrasileirado: farinha de cuscuz. Na Colômbia e na Venezuela, o quitute é feito com Harina Pan, uma massa a base de milho, utilizada também nas famosas tortillas e arepas. No Brasil, logo encontrou uma solução.
“No começo, não sabia como ia fazer, pois precisava dessa farinha que não tem aqui. Foi quando eu descobri que o cuscuz também é a base de milho e resolvi tentar. Acabou dando certo!”, relembra a cozinheira.
Com gosto pela cozinha desde pequena, Gardenia já tinha trabalhado com gastronomia na Venezuela e sempre gostou de transformar ingredientes em pratos cheios de sabor. Para as empanadas, amassa o cuscuz com água quente, com um pouco de sal e açúcar. Além das empanadas, prepara pastel e bolos.
Agora, para expandir os negócios, quer investir em mais equipamentos: fritadeiras, caixa térmica, uma geladeira maior, entre outros itens. “Com uma fritadeira grande, poderia fazer mais de uma vez e gastaria menos tempo. Com um bom armazenamento térmico, poderia manter todas as empanadas quentinhas e vender ainda mais saborosas nas ruas”, conta. A mão na massa é um trabalho que não faz sozinha. Na cozinha, por vezes têm o auxílio de seus quatro filhos.
Gardenia chegou ao Brasil em 2019 após uma longa viagem de ônibus da Venezuela. A situação econômica do país estava em frangalhos, como ela costuma se referir, quando decidiu sair de sua terra natal. No Brasil, ao lado de sua família, passou por muitas dificuldades econômicas em Manaus, no Amazonas. Na cidade, vendia água para o sustento da família. Decidiu então, buscar oportunidades em Belém (PA).
Após alguns dias em Belém, ela e a família foram encaminhados para uma comunidade Warao, povo indígena venezuelano da qual a família faz parte. A partir dali, teve chances à novas oportunidades ao receber apoio da organização humanitária Aldeias Infantis SOS, que atua com refugiados e imigrantes na cidade. Com o trabalho da organização, Gardenia se sentiu acolhida pelo contato com outras pessoas na mesma situação de refúgio, além de retomar o contato com os descendentes indígenas. Hoje em dia, dentro da comunidade Warao, vende suas empanadas e sonha com um futuro melhor para os seus filhos.
Do outro lado do Brasil, Yexided Garcia (26), tem recomeçado no Brasil por meio da gastronomia. Ao contrário de Gardenia, ela nunca tinha trabalhado com culinária, mas o mercado gastronômico é tão aquecido no país, que têm aberto portas inclusive para quem tem o interesse em aprender uma nova função.
Mãe de Valerie (7), Yexided veio ao Brasil depois de vender tudo o que tinha em casa para poder custear sua vinda ao país pela fronteira e de forma segura. Entraram por Boa Vista, em Roraima, onde tiveram acolhimento da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Se mantiveram 3 meses no abrigo, até terem a oportunidade de se mudar para Itanhangá, no Rio de Janeiro, por meio do acolhimento da Aldeias Infantis SOS.
No Rio de Janeiro, apoiados pela organização humanitária, ela e o marido fizeram cursos de português e informática. Com vontade de aprender mais, aceitaram participar de um curso gratuito oferecido no hotel em que hoje trabalham: Yexided na cozinha e o marido na governança. “Eu nunca tinha trabalhado com comida, mas tenho gostado muito. Gosto de aprender a preparar os pratos e conhecer novos ingredientes brasileiros”, conta.
Hoje, com uma nova profissão, Yexided é auxiliar de cozinha de um dos maiores hotéis do Rio de Janeiro, o Grand Hyatt. Sob o comando do chef, Yexided faz de tudo um pouco e se encantou pela gastronomia brasileira. “Gosto muito da tapioca e de empadão de frango. Não temos nada assim na Venezuela. A feijoada tem similaridade com pratos de lá, mas o empadão é único. Toda vez que tem no hotel, eu como um pouco”, conta.
Com o salário do hotel, realizaram o sonho de trazer mais uma parte da família para o Brasil: a mãe e a irmã do marido. Atualmente, todos moram juntos em uma casa alugada em Itanhangá. O sonho de Yexided é conseguir a casa própria para que todos possam morar, inclusive outros parentes da Venezuela, que ainda não puderam vir ao país.
Curiosa e com vontade de ter cada dia mais sucesso, ela concilia seu trabalho no restaurante com cursos de marketing digital “Quem sabe um dia, me torne uma empresária. Eu estou bem hoje, minha filha está estudando… Estamos finalmente aproveitando o que não conseguimos na Venezuela”, conta.