Já escolheu se irá se vestir real ou digital hoje?

Já se imaginou usando uma roupa virtual? Pois bem, é muito estranho para os não nativos digitais, mas não poderá ser a roupa digital o wearable teste para a roupa que eu quero ter fisicamente? Pensem quantas vezes você viu uma peça que amou, mas não levou pensando onde e quando eu vou usar isso? Isso vale também para aquela que você levou para casa e se fez a mesma pergunta.

A moda do século XXI se redefine, desenhando novos formas e formatos que podem ser mais experimentais, liberto de padrões, medidas e restrições de corpo para um patamar fantasioso.

Com isso surge uma nova geração de designer de moda e o mais impressionante é que de fato não sabemos se são pessoas ou inteligência artificial criando em resposta aos milhões de estímulos e dados que nós usuários entregamos de bandeja aos desenvolvedores.

Na pandemia vimos o comércio virtual acelerar 10 anos em 10 semanas e hoje mais de 50% das transações comerciais no Brasil são feitas via mobile. Em cinco anos houve um aumento de 15% no tempo conectado, pelos celulares de 38% para 53%, em 2020. Esses são dados que confirmam que vivemos no modo phygital (physical + digital), onde tudo isso converge para um novo modo de expressão via digital e as roupas são a nosso meio de comunicar.

O ano de 2020 nos permitiu avançar nesta experiência, a começar pelo simples fundo telas ou cenários das recorrentes meetings digitais e lives. No começo chamavam atenção, já hoje, ativar a tela de fundo tornou-se até um meio de comunicação institucional e muitas vezes ela é tão real que até perguntam, “onde você está?”.

No Brasil, a Amaro lançou em 2020 uma coleção cápsula para o game Animal Crossing, que utilizou o avatar Mara para identificar os desejos e expectativas de consumidoras. Já em 2021, o estilista carioca Lucas Leão, que tem como foco a manipulação têxtil e inovação tecnológica, lançou a coleção com roupas 100% virtuais para o inverno com o Shop2gether. Leão busca questionar os padrões de vestir entre masculino e feminino e esse questionamento com certeza se estenderá do digital para o corpo físico.

Há outras lojas que disponibilizam moda digital como a DressX. Nela o usuário pode comprar um item, selecionar a foto que deseja “utilizar” e, após a compra, recebê-la com a montagem. Ou ainda a Happy99.online, criada por Nathalie Nguyen, que aposta que roupas digitais serão commodities em breve entre a geração Z.

Parece irreal, mas não é. Para se ter uma ideia, a bolsa Gucci Dionysus da coleção digital limitada para a Roblox, uma plataforma de videogame, foi vendida por mais de quatro mil dólares, um valor superior que a sua versão física e não pode ser usada fora da plataforma da Roblox.

No mundo dos games, esse tipo de produto existe há décadas, são as skins, que atraem jogadores que personalizam seus avatares e com isso aumentam significativamente o faturamento das desenvolvedoras. Em jogos, como “CS: Go”, skins armas raras e facas podem ser arrematadas por colecionadores por valores acima dos 600 mil reais. Tudo isso é sustentado por uma cultura de ostentação e um mercado estruturado com enormes comunidades para negociação de skins e influenciadores que atuam para promovê-las.

Mas calma, nem tudo vai – ao infinito e além – a itens inacessíveis. Veja a  Gucci, que lançou o Virtual 25, um tênis desenhado por Alessandro Michele, diretor criativo da marca, especialmente para ambientes virtuais por 12 dólares, ou seja  65 reais. Ele pode ser adquirido no aplicativo da grife em parceria com a Wanna, empresa de moda especializada em marketing de realidade aumentada, que permite visualizar o item diretamente no corpo por meio do aplicativo ou em outros ambientes virtuais parceiros após a compra do item.

Outro caso é o da Nike, que em 2019 se aliou a Epic Games e lançou uma coleção dentro do jogo   “Fortnite”, um dos jogos mais populares do mundo, para produzir skins inspiradas em Michael Jordan. A diferença entre as marcas é que as peças da Gucci (roupas e tênis) são acessíveis e disponíveis para qualquer jogador.

A realidade aumentada está em tudo, até em clips da banda Coldplay. À medida que o vocalista Chris Martins anda, a paisagem muda e as mensagens e cores em sua camiseta se alteram. Veja, este pode ser um ótimo recurso para apresentações de impacto. Lembra do show da Katy Perry durante o Rock in Rio? Faz tão pouco tempo, mas parece que foi há tanto tempo e se fosse hoje todos teriam achado que era efeito das skins digital ou no mínimo achariam um recurso retrô todas aquelas trocas de roupas.

Lembro bem das aulas básicas de marketing sinalizando que empresas que se definem de forma muito fechada com foco no produto por exemplo:  máquina de escrever, telefone e não atuação final, no caso comunicar e conectar, desapareceram ou tendem a isso. Será breve o momento em que acharemos o conceito de vestir limitado ao palpável algo do passado, vestir é uma forma de expressão, uma experiência que desnuda nossos conceitos para vestir (conceitos, valores e experiências) mais abertos.

Encontraremos muitos argumentos em defesa desta moda digital como solução de problemas de espaço, redução de consumo, já que se estima que 40 bilhões de itens gerados pela indústria da moda são despejados em lixões todos os anos e, como proposta, seu modelo de negócio seria o “mais sustentável” já criado, sem contar as possibilidades de novas experiências.

Por outro lado, convenhamos, se a vida se passa cada vez mais no on-line e as experiências também, qual é o lugar do corpo? O vestuário terá o desafio não só de encantar como trazer para o varejo e para a roupa a maximização dos sentidos, tudo para aguçar os sentidos do indivíduo paralisado diante das telas – que demandam cada vez menos toque.

E qual o lugar do eu real? Quando acreditamos que podemos comprar o que na real não poderíamos? Ou conceito de real é aquilo que eu aspiro livre de barreiras e conceitos pré-estabelecidos? Estamos realmente diante na era de ser plural no lugar do ter, ou será está mais um escape de consumo que nos liberta da culpa?  Você está pronto ou aberto para viver no modo phygital? Te lanço o desafio e volto a minha pergunta inicial: conseguiu resolver se hoje se vestirá real ou virtual?

*Sueli Pereira tem mais de 20 anos de experiência no setor têxtil e formada em jornalismo, história da moda e gestão empresarial, e um estudiosa do comportamento humano.

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