Saúde mental no pódio

A atleta norte-americana Simone Biles é considerada a melhor ginasta do mundo desde 2020. Nesta terça-feira, dia 27 de julho, os Estados Unidos presenciaram sua maior promessa de medalha de ouro ao se retirar da final individual geral dos Jogos Olímpicos de Tóquio para focar em sua saúde mental. Desde então, as redes sociais do mundo todo estão repletas de comentários, grande parte deles indo contra a decisão da ginasta, mas muitos parabenizando-a por sua atitude e coragem. Enxergo este momento como uma reviravolta muito positiva na história do cuidado com a saúde mental e vou explicar por quê.

A competitividade e a força, tanto física quanto psicológica, fazem parte da cultura do esporte. É preciso ser forte para aguentar a pressão dos jogos, a cobrança dos treinadores, do público e a própria cobrança interna (talvez a mais pesada de todas).

Nós, profissionais que não somos atletas, já percebemos a pressão diária de uma sociedade que demanda resultados rápidos e efetivos, imagine só qual não seria a pressão de uma atleta de alta performance. Soma-se a isso o fato de que ela é norte-americana e os EUA já têm uma cultura de competitividade ensinada nas escolas desde cedo: você deve vencer, caso contrário será um “loser”, um perdedor, e isso é tido como o pior que você pode ser na vida.

Simone carrega com ela a expectativa de seu país e do mundo todo de ser a melhor, inclusive ela utiliza um uniforme com a figura de uma cabra (em inglês GOAT- que simboliza também as iniciais da frase “a melhor de todos os tempos”).

Além disso, não podemos nos esquecer que ela, assim como centenas de ginastas, sofreu abusos de um treinador e precisou dar seu depoimento no tribunal. Tudo isso pode causar traumas e danos psicológicos graves a qualquer um. O fato de ter conseguido expressar tudo o que passou e sentiu talvez tenha sido de grande ajuda para que ela buscasse auxílio psicológico e fosse capaz, hoje em dia, de dar importância à sua saúde mental.

Biles inclusive disse que “temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia, somos pessoas e, às vezes, temos que dar um passo para trás”. E é exatamente isso, todos nós somos humanos e sofremos com a pressão psicológica e uma declaração vinda de alguém que precisou “engolir” isso em prol de sua profissão é um grande marco e mais uma porta que se abre para que falemos sobre isso.

Há alguns meses, a estrela do tênis Naomi Osaka também deu um passo para trás ao se retirar do Aberto da França, citando a necessidade de priorizar sua saúde mental. E, nesta última terça, a japonesa perdeu na chave feminina de simples do tênis e afirmou sentir o peso das expectativas sobre ela.

Essas ações são importantes para que outros atletas se sintam à vontade para falar sobre suas emoções e para que saibam que está tudo bem em não conseguir ou não ser sempre o melhor. Ainda, essas atitudes são uma forma de todos nós nos sentirmos acolhidos e enxergarmos a necessidade urgente de colocar nossa saúde mental em primeiro lugar.

Voltando às Olímpiadas, quero destacar mais uma frase de Biles, “sinto que não estou me divertindo”, e compará-la à declaração da skatista Rayssa Leal após a conquista da medalha de prata para o Brasil: “eu estava me divertindo”.

Para se sentir como a nossa campeã olímpica, não podemos deixar que nossa mente confunda o nosso valor, aquilo que realmente somos com aquilo que fazemos. O que você faz e seu desempenho não é tudo o que você é. A sua autoestima não depende de algo externo, ela vem com o processo do autoconhecimento.

*Camila Cury é psicóloga, especialista em comportamento humano e fundadora da Escola da Inteligência, maior programa de educação socioemocional do país, aplicado em mais de 1 mil escolas brasileiras.

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