Jabuticaba, a fruta brasileira
A jabuticaba é uma fruta originária do Brasil, nativa da Mata Atlântica. Sua árvore, a jabuticabeira, pertencente à família Mystaceae, é uma entre as mais de 8.700 espécies da maior biodiversidade de árvores do mundo. Seu formato, cor, textura e sabor fazem da pequena fruta um dos representantes do nosso país. Sabemos, por exemplo, que os índios utilizam a sua casca para fazer um tipo de “vinho nacional”, um produto tão exótico quanto as geleias, licores e sorvetes que podem ser feitos do fruto.
O uso da palavra da fruta também apresenta excentricidade, podendo aparecer em diferentes narrativas. A fruta é usada como sinônimo daquilo que é nacional, exclusivo, típico do nosso país, ou, simplesmente: “aquilo que só dá no Brasil”. Essa expressão pode passar tanto por uma qualificação das nossas potencialidades – “A jabuticaba é nossa”, nome da live feita por Caetano Veloso e André Trigueiro (06/2020) – ou como uma pejorativa para as nossas regras de exceção – “O Código Florestal não é uma jabuticaba”, termo utilizado no relatório do Greenpeace (10/2011).
No entanto, pesquisas botânicas recentes, ao reclassificar algumas espécies de árvores nativas, informaram que a jabuticaba não é exclusiva do nosso país, mas que está presente na maioria dos países vizinhos e até mesmo na América Central.
O exemplo da jabuticaba pode ser interessante para pensarmos no interesse pela apropriação de símbolos, ideias e até mesmo de povos, para dar conta da busca constante pela origem, fato que se torna evidente por meio da língua, da bandeira, da música, da culinária, vestimenta … de cada nação. No entanto, vale lembrar: no caminho para a origem não há síntese.
No caso da jabuticaba, por mais que ela seja originária da nossa vasta biodiversidade, a extensão da sua existência não é exclusiva ao nosso território, assim como achávamos ou gostaríamos de acreditar. Esta ideia permite estendermos o pensamento para o caminho da origem em que qualquer princípio nacionalista está enraizado: na apropriação daquilo que já existia, criando laços a partir daquilo que passa a ser “nosso”.
O caso da jabuticaba, enquanto marca nacional, pode mostrar que o que a torna um objeto “nosso” é a criatividade que pudemos aplicar a ela, do contrário, os nossos vizinhos também se orgulhariam da fruta, e não é o caso.
Muitos dos problemas do nosso país ocorrem porque naturalizamos objetos e situações com a pretensão de encontrarmos algo nosso. Ao naturalizar, passamos a compreender a origem de maneira sintética, sem aplicarmos o crivo criativo (ou crítico). Nesse caminho, da naturalização, podemos tornar graves injustiças sociais parte daquilo que também é nosso. Quanto a jabuticaba, o que a faz ser “nossa” não foi a apropriação passiva de um fruto que pode nascer em vários outros lugares, mas aquilo que pudemos criar a partir dela, do seu gosto, sabor e cor.
Uma observação: a comparação entre injustiça social (como as que dizem respeito às comunidades indígenas ou à história dos negros no Brasil) e frutas só parece possível caso sirva para a sensibilização frente à importância de pensarmos sobre a história de um jeito menos passivo.
Juliana Portilho é Psicóloga, Psicanalista, Mestre e Doutora em Filosofia, Pós-doutoranda em Psicologia Clínica (IP-USP) e Professora da Estácio Curitiba.