Preconceito e falta de adaptação para a maternidade estão entre os problemas relatados por 60% das oncologistas mães
Dados levantados pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), por meio da pesquisa Equidade de Gênero na Oncologia, mostram números alarmantes sobre as mulheres e a maternidade na saúde. Com a participação de 203 associados, sendo 125 mulheres, o estudo revelou que 60% das oncologistas que são mães afirmam sofrer com o preconceito, a falta de flexibilidade e de adaptação dos locais de trabalho para a maternidade.
De acordo com a presidente da SBOC, Dra. Clarissa Mathias, os dados são preocupantes, mas reversíveis. “Enfrentamos o preconceito e a desigualdade diariamente e, nós da SBOC, nos vemos como responsáveis na luta pela mudança dentro da sociedade médica”, comenta. “Esta pesquisa teve o intuito de entender os desafios enfrentados pelas mulheres e buscar soluções para revertê-los. Acredito que o primeiro passo é enxergar qual e onde é a raiz do problema para conseguirmos adaptar às diferentes realidades e obstáculos enfrentados por elas, para que assim haja uma maior adaptação para a maternidade e equivalência entre os gêneros”, comenta.
Entre as experiências relacionadas à maternidade relatadas pelas oncologistas que já são mães, ou que pretendem ser, estão sugestões de colegas para que cuidem mais de suas casas e famílias, julgamentos pela dedicação à maternidade, questionamento sobre a intenção de engravidar como ponto decisivo de contratação ou promoção, comentários negativos em relação ao afastamento devido à gestação, entre outros.
Além disso, há também a falta de adaptação nos locais de trabalho para o retorno, ou o dia a dia, dessas mães, como a dificuldade da flexibilização de horários e a inexistência de locais adaptados para a amamentação ou a retirada do leite.
Para Dra. Clarissa, que é a segunda presidente mulher na história da SBOC, a maternidade deveria ser abraçada por todos, não só pelas mulheres. “Infelizmente, nós mulheres, ainda somos muitas vezes vistas como responsáveis pelo cuidado integral dos filhos. Quando há pouca divisão de tarefas com os pais ou companheiros, a situação acaba impactando no tempo que cada uma investe em sua própria carreira. Somados ao esgotamento físico, esse cenário pode, inclusive, trazer consequências psicológicas, como ansiedade e a síndrome de burnout”, alerta. “Enquanto mulheres que são mães têm dificuldade no mercado de trabalho e no desenvolvimento da vida profissional, os homens, mesmo sendo pais, não sentem o mesmo impacto”, compara.
Os desafios vão além da maternidade
Outras informações importantes entre as mulheres mapeadas pela pesquisa foram:
- 25% já sofreram assédio sexual.
- 50% já sofreram assédio moral no dia a dia da profissão.
- 71% já se sentiram injustiçadas por serem mulheres, incluindo o desmerecimento de seu trabalho por parte de colegas, gestores, subordinados e pacientes.
Somados a isso, apenas 25% das médicas oncologistas ocupam cargos de liderança em seus empregos e 79% recebem salários inferiores aos colegas do sexo masculino, mesmo exercendo a mesma função.
Dra. Clarissa Mathias acredita que esse é mais um dos desafios que a SBOC está empenhada a vencer. “Hoje, as mulheres são maioria na entidade, sendo 52% do total de associados. Elas têm grande atuação na medicina como um todo e no cuidado oncológico em especial, mas ainda enfrentam barreiras para ocupar posições de gestão e comando”, comenta. “A SBOC dá um passo importante para solucionar essa problemática ao ter uma presidente mulher, mas ainda há muito trabalho a ser feito para que isso não seja exceção”, acrescenta.
Luta por representatividade
Além das dificuldades vividas pelo gênero, há, também, mais uma camada de desafios relacionados à questão de raça. Segundo a Dra. Ana Amélia Almeida Viana, oncologista baiana e mulher negra, a luta pela igualdade social é constante.
“É bem comum lidar com pacientes e colegas que não percebem ou entendem que sou a médica responsável pela condução do atendimento, ou mesmo que olham com estranheza para os meus cabelos crespos – assumidos há dez anos, após um colega dizer que minha aparência não era adequada”, conta. “Sou grata pela oportunidade de representar a comunidade crescente de profissionais de saúde pretos e pretas que vêm tão bravamente buscando espaço nos meios acadêmicos e assistenciais. Sei que falar em nome deles é tarefa de grande responsabilidade, mas também me enche de alegria”, compartilha Dra. Ana.
Para contribuir com a superação desses entraves, a SBOC acaba de formar seu primeiro ‘Comitê de Lideranças Femininas’. “Nosso objetivo é trazer representatividade para mulheres por meio das lideranças de suas áreas, além de demonstrar para a sociedade médica, como um todo, que é preciso fazer mudanças no dia a dia. Direitos iguais não significa que mulheres e homens precisam fazer as mesmas coisas ou trabalhar da mesma forma, pelo contrário. Para que as mulheres alcancem a equidade de gênero serão necessárias adaptações, já que os desafios e realidades femininas são bem diferentes entre elas e ainda mais comparadas às masculinas”, avalia Dra. Clarissa.
A presidente da SBOC reforça que entre as principais iniciativas do comitê estão: o levantamento da quantidade de oncologistas mulheres no país e daquelas que lideram unidades de oncologia; planejamento de ações a partir dos resultados encontrados; e publicação de artigos científicos sobre a problemática. “Vamos juntos trabalhar para uma sociedade mais inclusiva e equitativa”, conclui Dra. Clarissa.