Na cozinha
Leia ouvindo: A cor é rosa – Silva
Eu não sei o que você tem feito nessa quarentena que já passou de um ano, mas eu, além de trabalhar muito, tenho cozinhado muito também. Com a mudança radical da rotina (antes eu fazia todas as refeições fora de casa), cafés, almoços e jantares ficaram frequentes.
Com isso, além de mais idas ao supermercado, outra necessidade se impôs: variar as opções. Além do cotidiano corrido da semana, tem o final de semana, que, com as restrições atuais de saídas, pede alguma coisa especial (até como conforto, não é mesmo?).
Às voltas com essa questão, comprei um forno maior e busquei um caderno de receitas que fiz há anos. Então experimentei algumas das coisas anotadas ali, que há muito não tinham oportunidade de aparecer. Testei coisas novas a partir de vídeos da internet, cópia de pratos que comi em algum lugar, dicas de familiares e feeling próprio. Tem sido uma jornada e tanto. De descobertas, sim, mas também de reconexões internas.
Cozinhar, para mim, sempre foi um hobby, uma atividade prazerosa. É algo que dá sentido aos meus dias, me faz bem, me organiza. E isso eu sempre soube, desde quando comecei a mexer com as panelas, e lá se vão quase 30 anos. Essa mágica de transformar os ingredientes, que sozinhos são sem-sentido, em algo maior, melhor, mais saboroso, mais bonito, que faz os outros se deliciarem… É realmente incrível e sempre me seduziu.
E só é incrível porque esse meu significante, a cozinha, diz muito de mim. Ele fala não só de um fazer, de uma produção, mas de como fui criada, do meu contexto, da minha família, dos valores da minha casa, de coisas que vi, ouvi, vivi e senti. Nunca será só a cozinha. Nunca será só a comida. É parte de mim. E que parte importante.
Eu vi minha avó preparando pequenos banquetes para receber as visitas. Eu ouvi o povo de casa falar: “Aqui não se passa vontade do que se quer comer ou experimentar”. Eu vivi inúmeras cenas de almoços infindáveis, que viravam jantas. Eu senti que aquilo tudo era algum tipo de poder interior daquele microcosmo que eu fazia parte. Hoje, mesmo descolada em tempo, idade, cidade e muitas coisas mais, continuo construindo novas partes dessa minha narrativa-significante chamada “Cozinha”.