O silêncio que fala tanto
Os rituais fazem parte de todas as civilizações e a falta deles de alguma maneira parece deixar tudo flutuante entre um tempo e um espaço criado por essa perspectiva cambaleante- vezes otimista, outras não- que a pandemia nos trouxe.
A virada de ano enfim aconteceu- nesse 2020 que pareceu um looping eterno de expectativa do que estava por vir- junto com ela vieram tantas dúvidas, tantos questionamentos até então barulhentos, porém sem respostas.
O excesso de informação tira algo de muito precioso da rotina, o vozerio das mudanças não permite perceber, mas pergunto, algum momento soubemos fazer isso, soubemos estar sozinhos? Essa geração barulhenta e opiniosa que se apressa tanto em julgar, sabe fazer silêncio?
O silêncio que não fazemos enquanto sociedade nos tira uma habilidade tão importante, a capacidade de ouvir, enquanto tudo torna uma máquina de repetições falaciosas as mudanças vão acontecendo e não pontuamos nossos lutos, não pontuamos nossas dúvidas, não mastigamos nossas dores, engolimos tudo rapidamente sem digestão e nem ao menos sabemos se nossas urgências são nossas ou nos foram impostas.
O isolamento e o distanciamento transformaram muito da rotina em silêncios, para quem experimentou as ausências, despertou tal qual um bebê faminto que busca o seio da mãe de hora em hora. A fome aqui é de pensar em tudo que foi e o que será, o que se perde no caminho e o que se tem a ganhar, do que é realmente importante, se escutar tem sido fundamental.
Quanto a mim, olhando de longe, poderia parecer até uma pessoa solitária, visto que em outros tempos vagava por bares e observava os risos soltos dos lugares… agora, se alimenta de poesia e dos silêncios que busca para responder as perguntas que aparecem, um privilégio poder se ouvir, ouvir seu corpo, suas angústias!
Ver o mundo através das multitelas digitais, que excetos raros, todos tão iguais, quase caímos em repetição, fica fácil não nos reconhecermos mais!
O som do piano que uso para dormir soa baixinho no escuro do quarto, os grilos comunicam suas existências casa afora. O silêncio é ensurdecedor e o que me estranha é o conforto que aprendi com o silêncio, por horas esqueço que viver é confronto e no mais, pouco sou do não! Quando os olhos vão pesando no rosto e percebo a briga contra o sono, o desejo é descansar, mas como descansar com esse barulho que grita em nossas cabeças do excesso de informação, tenho tentado aprender a silenciar.
A ânsia por vida mundo a fora, me bota energia pra nutrir uma insônia. Somos uma bela dupla de bichos estranhos e famintos na madrugada, famintos por silêncio, atentos. Ouço da janela do quarto os cães uivando pra lua, cães presos em correntes, mas não menos selvagens ansiando por novas histórias, por outros noites, em liberdade, exatamente como nós, que nos fechamos na esperança de evitar danos maiores, com nossas próprias correntes imaginárias!
Você tem ouvido o barulho da cidade? Tudo soa, tudo tem ânsia de vida e corre tanto que cansa, quando for assim, descansa. Os desequilibrados, ansiosos e entediados estarão por aí a fazer barulho, as vezes todos juntos, as vezes dentro das nossas cabeças, nem todo mundo se dá bem na própria companhia, não aguentam seus próprios silêncios. E se enchem de barulhos para preencher os seus vazios.
Como diria João Manoel “A maior ambição da canção é ser silêncio”. Você tem ouvido os seus silêncios? Na maioria das vezes eles tem muito mais a dizer do que a palavra que sai da boca sem reflexão alguma, se o que nos diferencia é a linguagem, que nossos silêncios sejam prioridade. O equilíbrio vem no silêncio, é preciso se dar direito ao silêncio, para se ouvir. Silêncio também é resposta.