De pernas para o ar
Para ler ouvindo: Opportunity – Pete Murray
O campo estava minado. De um lado eu, o aspirador de pó e um misto de determinação e fúria. Do outro, meus filhotes completamente alheios à necessidade de faxina, móveis e objetos fora do lugar e a quina do sofá. Bastaram dois passos rápidos a frente, rumo ao olho do furacão da limpeza doméstica, para que meu dedo mindinho encontrasse a estrutura de madeira revestida em suede, um tecido muito suave que de nada adiantou para amortecer o impacto. Diagnóstico: fratura de ponta a ponta e três semanas de pé imobilizado. Como terminei o serviço antes de ir para o pronto-socorro – tá certo que mancando e gemendo – pelo menos a casa está limpa.
Oba, férias forçadas, dirão.
Ninguém quer quebrar um osso pra ficar de molho, o prazer real do ócio é muito mais sobre escolhas. Para o mel da vida ficar completo, depois de ter cumprido as metas. Ter pago o treino. Ou, no extremo daqueles dias de loucura, criar uma verdadeira ode à preguiça tendo várias tarefas pendentes. Largar mão no meio de uma quarta-feira sabendo que no dia seguinte enfrentaremos o mesmo, só que acumulado. Essa consciência ao assumir o risco (nada a ver com irresponsabilidade) é que torna a experiência gratificante. Todo o resto não conta, pelo contrário, quando o motivo que nos leva a adiar planos é força maior à vontade de levantar e, literalmente, fazer qualquer coisa se torna insuportável.
Quando menos percebemos, o olhar veloz mira aquele canto obscuro da casa (escritório, pouco importa) e automaticamente ocorre o mapeamento mental de toda a arrumação que poderia estar sendo feita naquele exato momento e não está por conta da ruptura. Pensamentos aleatórios envolvendo a gaveta de utensílios diversos (geralmente a do meio) na pia da cozinha, as caixas e prateleiras na área de serviço e a seleção semestral dos brinquedos – que não fosse a limitação física momentânea, seria adiantada, claro – correm solto.
Nada tão urgente e muito menos vital, mas praticamente irresistível diante da impossibilidade. Na realidade, eu tinha outras tantas questões na frente para resolver. Por outro lado, o arrependimento pelas diversas brincadeiras que eu não fiz com meu filho por causa da ~correria~ (detesto essa palavra). Já repararam que em momentos como esse o modo “dar valor as coisas mais simples e gostosas da existência” é superativado? E é geralmente nessas horas que as reconhecemos.
Não fosse o incidente, eu nem estaria escrevendo sobre isso. Mas já que aconteceu, gostaria de propor que nesta semana você escolha um dia, uma tarde ou uma horinha que seja para relaxar, protelar, sonhar acordada com o fone de ouvido. Finalmente tirar aquele cochilo depois do almoço, que antes da pandemia era tão desejado e agora no home office passou longe de acontecer. Ver um filme, maratonar uma série. Terminar ou começar a leitura. Estudar. Apenas existir. Eu desejo que você faça tudo isso ou simplesmente não faça nada por você mesma (o) sem precisar dar uma topada (que nem sempre é leve) que te obrigue a desacelerar e/ou parar.
Passar por algo que estava fora dos planos e que causa dor, seja lá qual for a intensidade, não tem graça nenhuma. Ponto positivo algum. Querer e fazer sim recarregam verdadeiramente nossas energias. O globo segue girando, não importa se estamos bem, em nossa melhor forma ou baixo astral e com problemas. O que muda mesmo é nosso olhar e as expectativas que criamos. A raiz dos problemas está no apego. Quando percebemos que algo pequeno como uma, apesar de dolorida, batida no dedo nos obriga a delegar e esperar, entendemos que o lado bom mora em estarmos saudáveis e diante de situações despretensiosas.
Parar porque se quer, por ser preciso para alimentar a alma. Não necessariamente porque se pode ou se precisa. Curar o espírito. Devolver o sorriso. Uma coisa eu garanto: nós e todos ao nosso redor só temos a ganhar. Aí sim o bom e velho fazer nada seguido de um bom descanso voltará a ter seu verdadeiro valor.
Até a próxima!