Reforma do depois de amanhã

Para ler ouvindo: Apesar de você – Chico Buarque

Começo confessando a vocês, meus leitores queridos (oi, amor! oi, mãe!), que não consegui evitar ser afetada pela situação sociopolítica que atravessamos, ao ponto de não trazer tais baques para esta coluna. Porém, vou poupá-los do discurso na medida da reflexão nem tão apropriada para aqueles dias em que a esperança e o otimismo fogem de nós de maneira avassaladora.

Sei que após sete meses de quarentena e isolamento, ou apenas distanciamento, fica difícil segurar a onda, mas é necessário – se não por nós pela futura geração, que hoje é tão novinha. No auge dos meus 34 anos tenho aprendido, a duras penas, que informação e resiliência são nossos maiores ativismos frente ao destino nem sempre amigável. Levanto essa bandeira há tempos, tenho expertise. Mesmo que entre socos e pontapés, cá estou: atenta e resignada.

Coincidentemente, digo isso num dia em que finalmente vivemos em um país completamente livre da corrupção (não sei nem que roupa vestir pra isso). Não tá sabendo? Digita no buscador e comemore. Se tiver um espumante (ou champagne para os phynos) do Ano Novo passado dando sopa, estoura agora. É o momento. Simule confiança. Nesse meio tempo, até escolhi meu traje: o melhor carão para demonstrar nenhuma dúvida de que acredito nisso com toda força. Convença a si mesmo de que a tão sonhada hora finalmente chegou e que o futuro é logo ali, lindo e belo, farto para todos. Pronto? Desanimou? Já?

Perdoem-me, mas entre os extremos prefiro seguir precavida. O amanhã, com seu par de asas desenhados em verde amarelo patriótico, ainda me desperta sensações desconhecidas (as quais nem um ~governo incorruptível como o nosso~ poderá prestar contas). Não falo só do ano que vem – apesar de acreditar que 2021 entra e a vacina finalmente sai (não resisti ao contexto, mesmo que raso). Nem, sei lá, dos próximos cinco anos. A vibe aqui tá projetada naquele mundão que fará parte da vida adulta do meu filho. Livre da corrupção, ÓBVIO, mas em contrapartida sem florestas e oxigênio renovado.

Animais silvestres? Quem sabe seja melhor excluí-los da primeiríssima edição do dicionário da novafala. Pra quem não leu “1984”, basta saber que o escritor George Orwell previu tu-di-nho. A má notícia? Ele já morreu e não tem outro livro nos antecipando o que rola depois. O romance é ficcional, mas daqueles onde qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência. A boa é que dentro de algum tempo estaremos todos comentando como aquela série distópica do streaming se parece com a vida real. Ou seria o contrário? Acabo de ter um déjà vu.

Meu pijama até que tenta ser negacionista, mas ainda consigo levar o lixo com ele sem provocar um atentado fashion. Obscurantismo? Só se for no caminho da cama até à geladeira, quando nada e nem ninguém me diz o que fazer. Descrédito à ciência? É tipo ter um ou outro do meio incompetente ou mal intencionado e sujar a reputação do todo. Mais ou menos quando pensamos no cara lá de cima e lembramos do fã-clube aqui de baixo. Um dia, bem próximo, faremos teleconsulta medicinal sem parâmetros pelo Facebook (como já tem sido feito para formular votar nas eleições), ouvindo apenas os bons prognósticos que só as pessoas leves e otimistas conseguem valorizar. Receio que eu, provavelmente, não estarei mais aqui quando isso acontecer de fato. Mas quero deixar avisado: eu não aprovo e não usaria o serviço.

Até a próxima!

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