Como você tem cuidado da sua criança interior?

Desde que nascemos, nosso olhar está voltado para o externo. E quem olhamos primeiramente nessa experiência? Nosso pai e nossa mãe. São eles que nos mostram se o mundo é seguro ou perigoso, se as pessoas são confiáveis ou não. Os pais funcionam como espelho e por vezes ele não está muito nítido para uma criança.

Muitas experiências são vividas na fase pré-verbal, quando ainda nem sabíamos nos expressar com palavras. Logo, nossa única forma de vivenciar o mundo é pelas emoções e sensações. Ainda estamos na fase exploratória de pessoas e situações que nos ocorrem.

As experiências que sentimos nessa fase são carregadas conosco para a formação da fase seguinte, nossa personalidade ou ego, constituindo nossos valores, comportamentos, significados, crenças e memórias.

E por que essa explicação tem relação com nossa criança interior? Na nossa infância todas as experiências negativas são registradas no nosso corpo com a palavra que conhecemos como traumas. E levamos essa mochila durante toda nossa vida adulta se não decidimos intervir.

Em um vídeo da médica pediatra Nadine Burke Harris, você pode entrar em contato com os conceitos do porquê os traumas de infância afetam a nossa saúde ao longo da vida.

Abandono é a visão da criança sem recursos de entendimento

 

Chego ao ponto do artigo onde a minha experiência pode servir de espelho para o que você possa ter vivido também. Na minha infância, um simples atraso de mãe ao me buscar foi “decodificado” pela criança Ana como “abandono”. Eu simplesmente não tinha recursos para saber que a mãe estava atrasada por algum motivo, mas chegaria logo.

Se não ressignificada a experiência, ela nos acompanha de tal modo durante nossa vida que o padrão do “abandono” vai se impor na maneira como olhamos o mundo. Logo, nossos relacionamento pessoais, amorosos e profissionais vão ser ativados como um plug na tomada cada vez que imaginarmos que talvez determinada pessoa possa nos abandonar.

É possível que muitos dos meus relacionamentos foram interrompidos no passado porque, ao menor sinal de “rejeição” ou “abandono”, eu tomava a iniciativa e fugia da situação. Era a forma que meu inconsciente conhecia até então para que me proteger de reviver esse trauma.

O ser humano se constrói a partir do que ele vislumbra primeiro nos seus pais, na sua infância, mas não significa ser o destino da pessoa. No livro “O drama da criança bem dotada”, de Alice Miller, aponta por que o trauma é implantado na infância. “Necessitamos de amor como de ar e, para obtê-lo, renunciamos ao nosso próprio processo de desenvolvimento como indivíduos únicos e irrepetíveis, e nos massificamos pela repetição de papéis socialmente desejáveis”.

A criança precisa do amor do adulto porque não pode viver sem ele. O pavor diante do menor sinal de desaprovação, que para a criança significa ameaça de abandono, é instrumento de opressão utilizado no processo de adaptação do bebê.

O que fazer com o que fizeram de nós

 

Uma vez trazidos à consciência padrões que adotamos desde que somos um bebê no colo da nossa mãe (ou da falta dele), o que fazer com o que fizeram de nós? Isso passa por várias ações, atitudes. E sinto em dizer: a evolução é um caminho solitário. Só você pode fazê-lo. Ninguém pode tirar suas dores e traumas a não ser você mesmo.

Na minha trajetória como a Ana adulta que carrega a Ana criança, os passos foram muitos e podem te inspirar a dar o primeiro passo em direção a mais liberdade, amor próprio e valorização de si.

Comecei com a terapia sistêmica com a psicóloga Maria Carbonar, a quem rendo aqui minha gratidão. Ela não é só psicóloga, mas utilizou comigo técnicas como EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares) para reprocessar o trauma, usou também muito de Somatic Experience (SE), uma técnica que traz o corpo para o centro das atenções, onde todas as nossas memórias estão armazenadas. Fiz muita viagem ao interior de mim com ajuda dela.

 

Depois fui buscando outras formas de também trabalhar minhas questões. E aí essa busca me levou a diversas terapias e vivências. Posso citar algumas delas.

 

Na microfisioterapia, com a terapeuta Danielle Miranda, fiz descobertas sobre meus rompimentos gravados na pele sutil, que recobre todo nosso corpo. A Meditação Vipassana me fez identificar o vitimismo em mim. Já a Analise Corporal , com a terapeuta Sheila Evelize, trouxe informações importantes sobre como funciono e como posso me transformar a partir dessas descobertas. Mais recentemente, eu me submeti à técnica de Reprogramação Bio-Muscular – RBM, com a terapeuta Claudia Vizzotto. Se você não faz nada para se encontrar, te sugiro essa técnica. Eu fiquei cara a cara comigo, com o abandono da criança estampada na forma como meus pés estavam voltados para fora, além de outros sinais das leis biológicas e da fisiologia que me mostraram o quanto ainda tenho para me conhecer – e praticar o perdão com os outros e comigo mesma.

Estamos no mês das crianças e um dos exercícios que eu fiz com a ajuda da terapeuta Lucélia Martins, especialista em Terapia Quântica , foi olhar para um ponto e trazer à mente a Ana Criança. E dizer as seguintes palavras: “Eu sei que você foi abandonada, não foi vista suficiente, mas agora você não está mais sozinha. Eu, a Ana adulta, vai tomar conta de você sempre. E estará do seu lado. Fique bem”. Experimente. É L-I-B-E-R-T-A-D-O-R.

Também na minha formação como consteladora familiar me deparei com a dinâmica da minha família e dos meus ancestrais. Primeira constelação, eu simplesmente não queria crer que aquela na representação tratava-se de mim. Queria acreditar se tratar de outra pessoa. Mas era eu. Olhei para meus pais a princípio com raiva, mas depois consegui olhar para eles com compaixão. Claro que não foi na primeira constelação. Leva-se tempo para o inconsciente se dar conta de que eles, nossos pais, fizeram o melhor que eles podiam dentro do entendimento deles.

E hoje posso dizer a vocês que nossa relação está bem, mesmo que eles já tenham falecido. Eu consegui me reconciliar com a minha mãe nos dias em que a acompanhei nos seus últimos dias no hospital e, sistemicamente, pedi perdão para minha mãe e “obrigada por ser minha mãe”. Eu me reconciliei também com meu pai já falecido e isso explica várias questões que me impediam de “ir para a vida”, de estar “empacada” nos meus projetos.

Portanto, eu te faço um desafio no Dia das Crianças e em todos os outros dias. Trate sua criança com carinho. Olhando para ela aí do seu lado. Faça esse exercício. Traga sua criança à mente. O que ela te pede? Que você dê uma volta na quadra? Vá tomar sorvete? Seja mais espontânea e brincalhona na vida? Que não leve tão a sério a vida? A minha está falando: vá, Ana, abrace as pessoas. Elas precisam disso. E a sua: o que diz?

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