Sobre a amizade

“A amizade sincera é um santo remédio
É um abrigo seguro
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso”

Se puder ler ouvindo essa canção, eu agradeço… Ah, e leia com carinho!

<3

Em tempos de redes sociais, se tornou fácil deixar registrada aquela amizade ou aquele carinho especial por alguém. Quem nunca? Eu mesma, tanto é que até criei uma coluna para a minha melhor amiga e que partiu no ano passado, e vez ou outra, posto cartas para ela lá… Vez ou outra, vou até o Facebook dela e revejo nossas fotos, deixo recado no WhatsApp, como se algum dia ela fosse realmente ver.

Fato é que hoje é fácil mostrar para o mundo as nossas relações e pessoas que são importantes para a gente. Mas eu queria contar aqui a história de dois amigos que eu acompanhei desde pequena e que infelizmente, não estão mais nesse plano.

Não consigo precisar o ano, porque certamente, a amizade começou antes do meu nascimento. Cresci frequentando a casa do Tio Nunes. Um homem de sorriso largo e fácil, cuja gargalhada ainda é fresca em minha memória, mesmo fazendo quase 30 anos de sua partida. Tio Nunes tinha dois filhos, o Ector e o Vidal (perdoe meninos, tive que expor vocês aqui, mas é por uma boa causa, juro), e era casado com a Kátia.

Eu, minha irmã e os dois meninos, crescemos nos pendurando nas árvores do Parque Barigui, em Curitiba, correndo pela escada enorme (sim, quando a gente é criança, tudo parece grande) que nos conduzia até a oficina do Tio Nunes, nos fundos da casa dele, onde bem me lembro, tinha uma foto dele sentado, de olhos abertos, minutos depois do seu nascimento. Gente, minha memória é incrível! Risos.

Lembro que meu pai, cuja partida completou 11 anos recentemente, contava que conheceu o “Nunes” na Lima Hobbies, no Mercado Municipal de Curitiba, e foi uma paixão em comum que os uniu: o aeromodelismo.

Ali, nascia uma amizade, a mais forte, real e com significado que eu conheci e que se tornou modelo para mim.

Aos finais de semana, era no Parque Barigui, na pista de aeromodelismo (que eles ajudaram a construir com dinheiro do próprio bolso, e que isso fique registrado), que eles se encontravam e praticavam o hobby favorito de ambos (pera lá, meu pai ainda tinha a pesca como hobby principal).

Eram inúmeros fins de noites de um “enfurnado” na casa do outro, na oficina do outro, trabalhando em plantas de aviões, em moldes, em materiais que ajudassem a deixar o hobby cada vez mais profissional. E eles conseguiam, sempre se superavam…

Eles eram tão grudados, mas tão grudados, que a gente brincava, em casa, que meu pai havia casado com o Nunes e o aeromodelismo. Naquela época, não havia rede social para registrar os momentos deles por aí, e foram inúmeros. Até mesmo em nossos aniversários, lá estava o tio Nunes com toda a família. E a gente sempre dizia que Ector e Vidal eram os irmãos que a gente tinha, porque em nossa família, somos em quatro meninas, então, fomos adotadas por eles e eles por nós.

Anos depois, tio Nunes comprou uma chácara na Região Metropolitana, e assim eles haviam elencado mais um lugar para a prática do seu esporte favorito. Aos finais de semana, era lá que eles se refugiavam. Lembro da rede na varanda e da pedra imensa que tinha nos fundos da casa, onde a gente tomava sol com a Kátia. Bons tempos.

E assim a amizade de ambos seguiu, e se tornaram sócios em seus projetos de aeromodelismo.

Até que um dia, a vida do tio Nunes foi abreviada…

Lembro que uma semana antes do acontecido, nós fomos até a casa dele. Ele nos mostrou as adaptações que havia feito no sótão, com fotos da família dele. Ao se despedirem, ele e meu pai, se entrelaçaram num longo abraço (meu pai não era dado a demonstrações de afeto, e essa havia pegado ele de jeito). Tio Nunes o segurou com tanta força e disse: Cara, sabia que eu te amo?

Nessa hora, os olhos do meu pai ficaram com aquelas lágrimas equilibristas…

A notícia da partida do tio Nunes foi o golpe mais duro que meu pai havia recebido até aquele dia, mas ele carregou o amigo até o dia em que ele mesmo se foi, em abril de 2009, da mesma forma que carregava consigo uma culpa inexistente, dizendo que se o Nunes tivesse ido com ele em um novo local que haviam descoberto para a prática do aeromodelismo, ele não teria sido retirado da nossa convivência naquele dia. Quase que diariamente, mesmo anos depois de sua partida, o tio Nunes estava conosco, era: “Se o Nunes estivesse aqui ele ia gostar”, “Isso aqui é a cara do Nunes”, “Era assim que o Nunes fazia”.

Dia desses, o Vidal dividiu comigo um selo, uma marca registrada de ambos, que marcou não só a amizade e a sociedade que eles tinham: “Nunes Deni” e um homenzinho em uma aeronave. Certamente, arte do tio Nunes.

Eu confesso que não sabia da existência desse selo, os meninos são mais velhos do que eu, então, guardam mais coisas em suas caixas de Pandora, mas esse selo me fez pensar nas amizades, nas relações que nos escapam e naquelas que a gente mantém, por vezes unilateralmente.

Meu pai e o Tio Nunes eram amigos irmãos, focados na família e no hobby e no trabalho que mantinham para cultivar o esporte. A gente nunca os viu rodeados e cervejas, porque não era o padrão deles, muito pelo contrário; eram réguas, compassos, plantas de aviões, motores, fuselagens, e montanhas de revistas RCModeler.

Naquela época, não existiam as redes sociais, nem mesmo a facilidade de hoje em dia para “tirar fotos, revelar e compartilhar”, por isso tenho apenas um registro deles, juntos, em um de nossos aniversários, que prometo que vou procurar e posto assim que encontrar.

Esses dois foram o mais verdadeiro símbolo de amizade que eu conheci, e procurei construir relações como a que eles construíram, mas é claro que as pessoas que mais gostamos nos são tiradas abruptamente, sem aviso prévio, e é por isso que eu mantenho o Cartas para Lígia, porque de alguma forma, a minha amizade com a minha prima-amiga-mãe-irmã foi assim, e ainda é, porque, não raro, vivo dizendo: Porque a Lígia diria, a Lígia faria e… Por que a Lígia foi embora?

Obrigada por ter lido até aqui! Tomara mesmo que em sua jornada, você encontre um tio Nunes, um Deny, ou uma Lígia… Posso ter certeza de que, independente do tempo que convivam, será uma amizade que ficará para sempre gravada na sua história e, principalmente, no seu coração.

Um abraço e até a próxima.

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