Tempo, amigo
Para ler ouvindo: Pequenas Alegrias da Vida Adulta – Emicida
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Começo minha última coluna de novembro (em dezembro tem mais) com um sentimento controverso. Desde a última publicação, tenho pensado com fervor sobre o que escrever. Queria algo que não soasse repetitivo como meus dias nesta quarentena. Posso sentir a histeria dos macaquinhos que trabalham batendo pratos no meu cérebro diante de tal dilema. É, pessoal, a esta altura vivemos o fim da gestação que começou em março. Consigo ver algo de muito bom nascendo à medida que me questiono: depois de ter sentido a dor do parto vem a do crescimento?
A verdade é que minha cabeça anda a milhão, especialmente no que diz respeito ao tempo. Quero que ele passe rápido para termos a vacina de uma vez por todas e mais ainda, que não haja outro surto pandêmico tão cedo. Por outro lado, detesto ficar querendo apressar o relógio biológico do planeta – como se eu fosse conseguir, o ser humano é realmente ótimo em amar fazer intervenções e não querer consertar depois. Nessa, minha ansiedade que andava bem controlada bateu no teto do apartamento (não do meu, que é térreo, mas no do quarto andar). Na volta, é tanta bagunça interna pra arrumar que acabo indo dormir, assisto uma novela dos anos 2000 (quem adivinhar qual ganha um doce) e me convenço da minha total vulnerabilidade diante da imensidão do universo. Não é que até sai um pianinho de cauda dos ombros? Tenta aí. Bom, admito que sou um pouco charlatona, pois se um par de olhinhos brilhantes cheios de esperança como os do meu filho não forem capazes de encher meu coração de esperança é porque eu definitivamente larguei os bets. O que esclareço prontamente: tô há anos-luz de fazer isso.
O descontrole emocional implica em muita coisa, só quem sente é que sabe. Então posso falar convicta do que vivo e da disciplina e coragem que tenho exercitado para aceitar de bom grado as transformações, desde as mais cruéis, e dificuldades cotidianas. Percebo com tristeza que a frase “sou assim e não vou mudar” virou uma instituição. As redes sociais e a quase total incapacidade de rever conceitos, discutir ideias e aceitar argumentos contrários estão aí expostos, sem pudor, para não me deixarem mentir. De volta à minha bolha, me vejo diante de uma infância livremente esparramada em mim, com todas as suas alegrias e cansaços envolvidos. Curtir isso genuinamente tem sido meu lema, assim como não produzir traumas que atualmente as pessoas gostam de chamar (ao meu ver, erroneamente) de saudosismo. Enfim, passar por essa fase do desenvolvimento de alguém que coloquei no mundo em um nível generoso de calma é, avalio pragmaticamente, um dos pré-requisitos para sair da fila da culpa materna.
Para que isso ocorra, forçadamente, tenho encarado uns fantasmas. Chamei eles na moral mesmo e falei: escutem aqui, tem uma pessoa desse lado que merece ter o mínimo de controle sobre a situação. Ao invés de apenas lamentar e sofrer, tenho abusado da responsabilização. Toda vez que me pego entrando no looping de arrependimentos por algo que fiz (como surtar) e que me traz consequências ruins (do tipo alterar todo o astral da casa), analiso friamente os motivos, coloco a cabeça pra funcionar e assumo ou compartilho a bronca. Tenho melhorado a olho nu, o gráfico das gargalhadas que ecoam pelo corredor comprovam. Não chego a ter aversão à coach, mas bater o recorde de semanas mantendo o autocontrole e evitando discussões tem sido o meu bálsamo da vida. E os danados batem nessa tecla, temos que admitir.
Meu marido costuma dizer que não precisamos sempre apontar um culpado toda vez que o copo entorna e ele tem razão. Salvo acontecimentos propositalmente e estrategicamente planejados, ou em detrimento de sérias questões de saúde ou financeiras, focar no que realmente importa acaba se ligando intimamente a não cultivar uma conspiração mental sobre cada fato que acontece nas quatro linhas da rotina. Também não virei uma desleixada, muito menos relapsa, mas quando falo em me responsabilizar me refiro a também ser possível encontrar paz em meio ao caos se eu permitir. Baixar a guarda, os desejos de consumo, as expectativas sobre os outros e parar de esperar a mudança sem mudar um hábito sequer é extremamente desafiador, pra não dizer excruciante, mas tem seus encantos. Quando paramos de querer aquele tal pote de ouro no fim do arco-íris e valorizamos cada passo do percurso até ele, acho que uma espécie de magia acontece. Melhor ainda quando o percurso é o nosso e encaramos a possibilidade de não haver um tesouro. Pelo menos não um mensurado em cifras.
Somos dedicados ao trabalho, considerados profissionais de primeira linha, alguns premiados. Nos gabamos em dizer que “estamos na correria”. Quando fazemos parte de um clube, de um time, de uma associação, ou de qualquer coisa que exija nossa concentração e, quem sabe, talento, damos o nosso melhor. Chegamos a passar horas a fio em shoppings, frente à telas, buscando vagas de estacionamento, aguardando mesas do restaurante, caçando promoções e gastando sola de sapato. Mas, quando dizemos, dedique 100% de sua energia a você mesma, trate-se como a pessoa mais importante da sua vida, soa como revolucionário. Falcatrua de autoajuda. Se dissermos “faça terapia” causamos choque, se surtamos repulsa. Se largamos o emprego formal para tratar a maternidade como prioridade (lembrando que se trata de criar e educar um cidadão para o futuro), somos completamente julgadas, até por quem deveria tão somente nos amar e apoiar. Se nos sobrecarregamos e fazemos malabarismos para dar conta de tudo, como esperam, somos chamadas de “super”. Tão romântico ser supercansada.
Assim como na letra do Emicida na música do para ler ouvindo de hoje, “deve-se ter cuidado ao passar o trapézio, mesmo que pese o desespero dos novos tempos. Se o like serve ao ódio, bro, nesse episódio breve o bom senso diz respire um momento”. Resumindo, é sobre encontrar um pouquinho de luz naquele dia cinzento.
Até a próxima!