Não preciso, mas quero
Para ler ouvindo: Minha vida – Rita Lee
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O relógio nem bem tinha apitado avisando que já havíamos corrido 5km quando meu marido me olha e diz: eu te cuido. Ele não parou por aí e emendou do seu jeito: você é forte, determinada, destemida, mas, mesmo assim, eu te cuido. Depois de uma década inteirinha juntos, ainda sinto as tais borboletas no estômago, especialmente nesses momentos de descuido onde Guimarães Rosa poetizou que mora a felicidade.
Eu, ali parada no meio da calçada suando mais que tampa de marmita, com rosto geometricamente esférico – redondo igual lua cheia – refletindo um tom avermelhado que ia das bochechas ao meio da testa parando na ponta do nariz, apenas sorri pensando: é, realmente não preciso que alguém me cuide, mas quero.
Pode parecer pretensioso, como a descrição da minha aparência facial (que é real), mas arrisco dizer que ao ouvir “linda” no fim do percurso algo muito maior que minha beleza física estava em jogo. Demos as mãos e fomos para o supermercado, não sem antes os olhares saltarem sobre as máscaras e congelarem um no outro por alguns instantes.
Pula pra hoje.
Lembrando dessa cena, que revejo em slow motion na minha cabeça desde então, busco conexão com os reais motivos que nos fazem embarcar na jornada cheia de amor e companheirismo, dores e cansaços, alegrias e tristezas, que é o casamento. No nosso caso, com o plus de um filho maravilhoso que é absolutamente a personificação de tudo o que nos une e o motivo principal pelo qual acordamos todos os dias dispostos a superarmos tudo e a sermos melhores.
Antes que isto aqui vire um diário ou, pior, algo que possa lembrar um texto sobre como manter um relacionamento por tanto tempo, ajusto o verbo e simplesmente trago pro debate o que eu vou chamar de não-teoria pragmática para tornar dias, noites, semanas e anos mais leves: fazer algo por vontade própria, seja preciso ou não, tem um quê de poção Gummi (entendedores entenderão).
Aplicado ao cotidiano, isso pode resultar num grande menu de possibilidades infinitas que envolvem atravessar ou não os portais que a vida coloca à nossa frente. Lembrando que apesar de estarmos sempre rodeados de referências (pra não dizer encheção de saco #fail), na maioria dos casos não dá pra culpar os outros pelas escolhas que, depois de adultos, fazemos conscientemente (evite tomar decisões com fome ou depois de mais do que cinco taças de gin tônica).
Propositalmente, encerro a coluna de hoje com dois questionamentos: é possível ser solteiro e feliz? Optar por não ser mãe e saber o que é plenitude? Sem muita elaboração, só consigo pensar num sonoro: tudo é possível quando somos protagonistas na construção do nosso destino, pelo menos as partes que humanamente conseguimos. Ninguém é obrigado a nada (vide o meme), mas se o que não precisava eu quis, isso sim é estar de bem comigo mesma e com o universo.
Poucas coisas me proporcionaram tamanha sensação de pertencimento a algo grandioso do que ter escolhido gerar, gestar e parir. Antes, juntar as escovas de dentes. Até estar aqui, agora, sentindo o calor do fim de tarde entrar pela janela anunciando que logo mais estaremos os três – eu, meu marido e meu filho – ao redor da mesa jantando.
Não precisava ser assim, mas já que eu quis é irado.
Até a próxima!