Cientistas descobrem causas genéticas e imunológicas das formas graves de COVID-19
Dois artigos publicados nesta quinta, dia 24, na Revista Science mostram que mais de 10% das pessoas jovens e saudáveis que desenvolvem formas graves de COVID-19 produzem anticorpos que atacam não o vírus, mas o próprio sistema imunológico (autoanticorpos). Outros 3,5%, pelo menos, carregam um tipo específico de mutação genética que afeta a resposta imunológica. As descobertas fazem parte da pesquisa conduzida pelo COVID Human Genetic Effort, um projeto mundial que conta com 2 brasileiros na diretoria internacional, Carolina Prando (Hospital, Instituto de Pesquisa e Faculdades Pequeno Príncipe) e Antonio Condino Neto (Universidade de São Paulo – USP), encarregados de coordenar a participação dos outros 20 centros brasileiros e de dois centros de sequenciamento de exoma.
Em ambas as situações encontradas pelos pesquisadores o resultado é basicamente o mesmo: os pacientes perdem interferon tipo I, um grupo de 17 proteínas cruciais para a proteção do organismo humano contra as infecções virais. Quer essas proteínas tenham sido neutralizadas pelos chamados autoanticorpos ou não tenham sido produzidas em quantidades suficientes devido a um gene defeituoso, sua falta de ação é comum entre estes subgrupos de pessoas que apresenta quadro muito grave da COVID-19.
“As descobertas explicam por que algumas pessoas desenvolvem uma doença muito mais grave do que outras em sua faixa etária – incluindo, por exemplo, indivíduos que precisaram ser internados na UTI apesar de estarem na casa dos 20 anos e livres de comorbidades”, explica Prando.
No estudo, os pesquisadores analisaram geneticamente amostras de sangue de mais de 650 pacientes que foram hospitalizados por pneumonia com risco de morte devido à infecção pelo SARS-CoV-2 (14% morreram). No grupo controle foram incluídas amostras de mais de 530 pessoas com infecção assintomática ou benigna. Inicialmente os pesquisadores procuraram por diferenças entre os dois grupos, relacionadas a 13 genes conhecidos por serem críticos para a defesa do corpo contra o vírus da gripe. Esses genes governam os interferons tipo I. “Um número significativo de pessoas com a forma grave da COVID-19 carregava variantes raras nesses 13 genes, e mais de 3% delas não tinham um gene funcional”, explica a pesquisadora.
“Essas descobertas fornecem evidências convincentes de que a interrupção do interferon tipo I é muitas vezes a causa do COVID-19 com risco de morte”, disse Jean-Laurent Casanova, chefe do Laboratório St. Giles de Genética Humana de Doenças Infecciosas da Universidade Rockefeller, investigador do Howard Hughes Medical Institute e líder do COVID Human Genetic Effort.
Segundo Prando, o grande ganho dessa descoberta é que os pacientes que apresentam essas características podem ser tratados com medicações que já estão no mercado atualmente, reduzindo os índices de mortalidade por COVID-19.
Condição autoimune
O estudo também avaliou 987 pacientes com COVID-19 com risco de morte e descobriu que mais de 10% tinham autoanticorpos contra interferons no início da infecção. A maioria deles, 95%, eram homens.
“Essa descoberta impacta, por exemplo, nos tratamentos com plasma convalescente humano. Se o doador apresenta os autoanticorpos, o plasma do seu sangue não pode ser utilizado no tratamento de outro paciente infectado, sob o risco de agravar o quadro de saúde”, explica a pesquisadora
Experimentos bioquímicos confirmaram que esses autoanticorpos podem efetivamente interromper a atividade do interferon tipo I. Em alguns casos, eles podem ser detectados em amostras de sangue coletadas mesmo antes dos pacientes terem sido infectados; em outros, eles foram encontrados nos estágios iniciais da infecção, antes que o sistema imunológico tivesse tempo de montar uma resposta.
Esses autoanticorpos parecem ser raros na população em geral. De 1.227 pessoas saudáveis selecionadas aleatoriamente, apenas quatro tinham estes autoanticorpos detectáveis.
“Todas essas descobertas indicam fortemente que esses autoanticorpos são, na verdade, o motivo pelo qual algumas pessoas ficam muito doentes, e não a consequência da infecção”, diz Casanova.
Participação brasileira
O Brasil conta com dois centros de sequenciamento participando do COVID Human Genetic Effort: um centro localizado no Complexo Pequeno Príncipe (Curitiba-PR) e um localizado na USP. A partir desses centros, foram estabelecidas parcerias com outras 20 universidades e hospitais do país, para coleta de dados epidemiológicos, sequenciamento de exoma e estudos funcionais. Os resultados publicados hoje na Science referem-se a amostras coletadas na Europa, Ásia, América Latina e Oriente Médio. As amostras brasileiras serão incluídas nas próximas análises. “Já temos cerca de 250 amostras coletadas, cujas analises integrarão os próximos estudos, explica Prando.
Pesquisadores e alunos do Complexo Pequeno Príncipe no projeto
Confira a lista de pesquisadores e alunos do Pequeno Príncipe que participam do projeto no processo de análise das amostras locais e das amostras enviadas pelos centros participantes:
Carolina Prando – Hospital Pequeno Príncipe, Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e Faculdades Pequeno Príncipe
Heloisa Ihle Giamberardino – Hospital Pequeno Príncipe
Roberto Rosati – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e Faculdades Pequeno Príncipe
Thais Gurgel Trentin – Hospital Pequeno Príncipe
Laire Schdlowski Ferreira – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe
Marielen Ribeiro – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe
Ana Paula Pacheco – Hospital Pequeno Príncipe
Natalia Ciorcero – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e Faculdades Pequeno Príncipe
Liana Oliveira – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe
Andressa Valengo – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e Faculdades Pequeno Príncipe
Gabriel Olescki – Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe
O estudo conta também com o trabalho diário da equipe médica e de enfermagem na assistência aos pacientes locais do Hospital Pequeno Príncipe, sem os quais o trabalho de pesquisa não seria possível.