Demissões humanizadas: preservando a saúde emocional e a confiança nas equipes
Como a transparência e a empatia nos desligamentos impactam a cultura organizacional e o desempenho dos times que permanecem
Com a necessidade de ajustar orçamentos e reduzir custos, muitas empresas enfrentam a tarefa de promover desligamentos. Mas como esse processo é conduzido pode fazer diferença não apenas para quem sai, mas para quem fica — e os impactos emocionais reflexos têm efeitos reais no desempenho e na cultura.
A psicóloga e especialista em saúde mental corporativa Jéssica Palin alerta que “demissões sem cuidado podem romper a confiança no ambiente, gerar insegurança e provocar uma tensão emocional persistente no time”.
Dados recentes destacam a urgência de atenção ao tema. Em 2024, os afastamentos por transtornos de saúde mental bateram recordes no país, com mais de 440 mil casos registrados, um aumento de 67% em relação a 2023.
A consequência para as empresas é multifacetada, além do custo direto com desligamentos e reposição, há impactos sobre produtividade, engajamento e absenteísmo residual. Um estudo sobre rotatividade aponta que as organizações sofrem tanto efeitos funcionais quanto disfuncionais quando lidam mal com saídas de colaboradores.
Em ambientes onde a comunicação do desligamento é deficitária, observa-se um fenômeno de “ansiedade coletiva”, com colaboradores remanescentes em alerta constante e desconfiados sobre seus próprios postos. Segundo Jéssica, “quem fica passa a trabalhar sob sombra, teme ser o próximo, observa quem saiu e questiona quem gerencia”.
Cultura organizacional e o efeito dominó emocional
Uma cultura empresarial fragilizada facilita a propagação emocional. Quando líderes tomam decisões sem explicações claras ou não dialogam com os times, o medo e o ressentimento se espalham. “Desligar pessoas é inevitável em muitos momentos, mas isso precisa ser feito com transparência, empatia e clareza. O risco de não fazer isso é transformar a empresa numa máquina de insegurança emocional”, afirma a especialista.
Em casos extremos, o que era um corte planejado pode gerar rupturas. O desempenho cai, a cooperação entre equipes diminui e a rotatividade residual ocorre — colaboradores se desligam não por insatisfação com o cargo, mas por desconfiança no ambiente. Estudos de clima e comportamento organizacional indicam que esse tipo de dano cultural exige tempo e investimento para a reconquista.
Para minimizar os danos emocionais pós-desligamento, Jéssica defende práticas estruturadas como comunicar com antecedência quando possível, justificar critérios do corte, oferecer mecanismos de acolhimento e garantir canais de diálogo com quem permanece. “O RH precisa atuar preventivamente, gerando segurança para os remanescentes. Quem ficou precisa entender o propósito da reorganização e ver que não foi desvalorizado no processo”, diz Palin.
Outra medida estratégica é promover sessões de saúde mental, mediação de conflitos e apoio individual para quem demonstra maior impacto emocional. Capacitar líderes para que eles façam devolutivas humanizadas e monitorem sinais de desgaste nos times faz diferença.
Reconstrução e recuperação organizacional
A fase pós-desligamento exige reconstrução da confiança. Empresas que adotam avaliações de clima logo em seguida, que aplicam pesquisas de engajamento e que abrem diálogo com o time indicam recuperação mais rápida do desempenho coletivo.
Jéssica Palin reforça que o desligamento bem conduzido não é uma simples demissão com formalidade, mas parte de uma estratégia de saúde emocional corporativa. “Se você deixa uma ferida aberta no time que fica, vai pagar o preço da desmotivação e da perda de produtividade por meses. É mais barato e mais humano cuidar disso desde o começo”, conclui.
Por Jéssica Palin Martins
Advogada, psicóloga e especialista em saúde mental no ambiente corporativo; graduada em Direito pela Universidade Paulista (UNIP) e em Psicologia pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP); mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); especialista em Intervenção Familiar Sistêmica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
Artigo de opinião