Quem matou Odete Roitman? Análise criminalista sobre relações abusivas e confissões na dramaturgia

Como o histórico de abusos e as nuances da confissão influenciam a pena em casos de homicídio na vida real e na ficção

Quem matou Odete Roitman? A pergunta que voltou a intrigar o país nas últimas semanas foi desvendada no final do remake de Vale Tudo. Contudo, antes do assassino ser revelado, a confissão de Heleninha, filha da vítima, chamou a atenção. Para muitos, ela teria motivos de sobra para matar a própria mãe, com a qual sempre teve uma relação conturbada e abusiva, mas isso amenizaria o crime?

Para o advogado criminalista Gabriel Fonseca, todo esse histórico de vida, a relação abusiva com a mãe e as humilhações, podem ser valorados como circunstâncias relevantes antes, durante ou após o assassinato que justifiquem uma pena mais branda. “Se o crime foi cometido ‘sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima’, a pena pode ser reduzida de um sexto a um terço (Homicídio Privilegiado). O histórico de abusos pode ser entendido como uma provocação injusta contínua que culminou no momento do crime”, pontua.

Ele comenta ainda sobre o que a Justiça chama de Relevante Valor Moral ou Social. “No caso da farsa da morte do Leonardo, se a Helena agiu motivada por uma profunda mágoa e um sentimento de revolta por ter sido manipulada e culpada injustamente pela morte do irmão, isso poderia, em tese, ser enquadrado como motivo de relevante valor moral ou social, reduzindo a pena”.

Sobre a confissão, Gabriel Fonseca destaca que se entregar por um crime não é um atenuante, mas pode ser utilizado pela defesa no final do processo, caso a pessoa seja condenada. Porém, ele ressalta a importância de confessar o que se fez. “A confissão espontânea é uma atenuante que deve ser aplicada de maneira obrigatória. Se o acusado confessar o crime perante o juiz ou ao delegado, sua pena pode ser reduzida”. Esse ponto beneficiaria Helena Roitman, a qual ficou sendo a assassina presa.

No entanto, apesar de não ter conseguido, ela realmente tentou matar a mãe, o que levaria a uma penalidade menor, caso isso tivesse sido descoberto pela polícia na trama. “A tentativa, combinada com o Homicídio Privilegiado e as atenuantes (confissão e o histórico da relação das duas), pode resultar em uma pena branda, pois o juiz poderia aplicar uma redução significativa ou, a depender do grau de valoração do júri, até mesmo na absolvição, embora menos provável para o crime de tentativa de homicídio”, destaca o especialista.

A situação da falsa confissão também é analisada. Celina Junqueira, irmã de Odete e tia de Helena, tentou proteger a sobrinha da realidade e se entregou pelo assassinato que não cometeu, o que tem implicações legais. “Se a tia se apresenta à autoridade (polícia ou juiz) e confessa o crime que sabe ser falso, ela comete o crime de Autoacusação Falsa, tipificado no artigo 341 do Código Penal”, explica o advogado criminalista.

Ela também poderia ser enquadrada de outra forma. “Se a tia é chamada a depor como testemunha ou informante (em interrogatório informal ou formal) e mente sobre os fatos para incriminar a si própria ou isentar a sobrinha, por exemplo, inventando um álibi para Heleninha, ela pode cometer o crime de Falso Testemunho ou Falsa Perícia (art. 342 do CP)”, ressalta Gabriel Fonseca.

Outra situação que não ocorreu na novela, mas poderia, e que é comum na vida real, é comentada pelo especialista. “Se a tia, fora do contexto de confissão perante a autoridade, presta auxílio à sobrinha para subtraí-la à ação da autoridade pública, por exemplo, ajudando-a a fugir ou se esconder, ela comete o crime de Favorecimento Pessoal (art. 348 do CP)”.

Essas nuances mostram como a dramaturgia pode refletir dilemas reais do direito penal, especialmente em casos que envolvem relações familiares complexas, abusos e as consequências legais das confissões e falsas testemunhas. A análise criminalista ajuda a compreender que, na vida real, fatores emocionais e sociais podem influenciar significativamente o julgamento e a pena aplicada, trazendo à tona a importância de uma avaliação detalhada e humana dos casos.

G

Por Gabriel Fonseca

Advogado criminalista, integrante do escritório Celso Cândido de Souza (CCS) Advogados

Artigo de opinião

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