Contratos de Casamento e Poder: Lições de “Vale Tudo” sobre Amor e Patrimônio

Como o regime de separação total de bens pode proteger fortunas e gerar disputas entre herdeiros

Na novela Vale Tudo, o casamento de Odete Roitman e César Ribeiro era regido pela separação convencional de bens, um regime em que cada cônjuge mantém a propriedade individual de seus bens, sem partilha em caso de divórcio. No entanto, a história trouxe uma particularidade jurídica instigante: em caso de morte de Odete, César teria direito a 50% da empresa TCA, conforme estipulado em um pacto antenupcial. O enredo, embora fictício, reflete discussões reais sobre os limites e efeitos desse tipo de regime na vida prática — especialmente quando envolve fortunas, sucessões e contratos personalizados.

Segundo a advogada Michele Gheno, com atuação em Direito de Família, o regime de separação total de bens é escolhido por casais que desejam manter a independência patrimonial completa. “Na separação convencional, tudo o que cada um possuía antes do casamento, bem como o que adquire depois, continua de propriedade exclusiva. Não há comunhão, nem mesmo de bens comprados durante a união, salvo se houver comprovação de esforço comum e decisão judicial nesse sentido”, explica.

Para que o regime tenha validade, é indispensável a assinatura de um pacto antenupcial, documento formalizado em cartório antes da celebração do casamento civil. “Sem o pacto registrado, o regime legal aplicado é o da comunhão parcial de bens. O pacto é o instrumento que materializa a vontade das partes e deve ser elaborado com clareza e assistência jurídica, para evitar interpretações futuras”, orienta Michele.

No caso da ficção, o contrato entre Odete e César também previa cláusulas sucessórias — um ponto sensível do Direito de Família. Na vida real, Michele alerta que essa combinação de regime de bens e previsão de herança é possível, mas deve respeitar os limites legais. “A lei brasileira garante aos herdeiros necessários, como filhos e pais, a metade do patrimônio do falecido, chamada legítima. A outra metade, chamada parte disponível, pode ser destinada livremente, inclusive ao cônjuge. No entanto, qualquer disposição que ultrapasse esse limite pode ser contestada judicialmente”, detalha.

Situações como a retratada na novela não são raras em casamentos com grande disparidade patrimonial. Casais de alta renda utilizam contratos personalizados para equilibrar interesses e prevenir disputas. Contudo, Michele ressalta que a redação inadequada pode abrir espaço para litígios. “Herdeiros diretos podem questionar cláusulas que considerem abusivas, especialmente se houver indícios de vício de vontade, manipulação emocional ou prejuízo à legítima. Por isso, toda disposição patrimonial deve estar em conformidade com o Código Civil e com a Constituição Federal”, afirma.

Outro ponto relevante é que o cônjuge, mesmo sob separação total de bens, mantém direito sucessório em caso de morte do parceiro. “O Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento de que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, independentemente do regime. Isso significa que, mesmo com separação de bens, há participação na herança, salvo se houver testamento dentro dos limites legais”, explica Michele Gheno.

Para casais que buscam segurança patrimonial, a advogada recomenda assessoria jurídica especializada e transparência nas decisões. “Um bom contrato pré-nupcial não serve apenas para proteger o patrimônio individual, mas também para evitar litígios entre cônjuges e herdeiros. O diálogo e a orientação técnica são fundamentais para transformar o pacto em instrumento de harmonia e não de conflito”, conclui.

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Por Paulo Novais

Artigo de opinião

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