Geração Z: Entre a Inclusão e o Paradoxo do Cancelamento Virtual

Como a geração que mais defende a diversidade enfrenta o desafio de liderar uma cultura digital mais empática e responsável

A Geração Z cresceu sob o discurso da diversidade, da representatividade e da inclusão. É a geração que mais pressiona empresas por pautas sociais, exige transparência e cobra líderes por coerência. No entanto, quando se trata do comportamento nas redes, essa mesma geração é também a mais ativa em promover o chamado cancelamento virtual. A contradição salta aos olhos: se de um lado a bandeira da inclusão é levantada com força, do outro o tribunal digital se torna palco de exclusão e linchamentos públicos.

Este paradoxo ganhou relevância no debate político brasileiro com a tramitação do Projeto de Lei 1873/23, que propõe criminalizar o cancelamento virtual. O texto prevê penas de detenção que variam de 6 meses a 2 anos para quem atacar a honra ou a imagem de alguém nas redes, podendo chegar a 3 anos em casos com perfis falsos ou quando o ataque acontece em grupo. Também inclui agravantes quando houver prejuízo econômico para a vítima.

Na prática, o cancelamento virtual funciona como um tribunal paralelo. A pessoa acusada não tem direito ao contraditório, não pode apresentar defesa, nem muitas vezes tem espaço para retratação. O julgamento ocorre em tempo real, com milhares de vozes amplificando acusações, memes e ataques. O resultado pode ser devastador: danos emocionais, isolamento social, perda de oportunidades de trabalho e destruição de reputação. O Unifoa destaca que as consequências psicológicas do cancelamento digital são comparáveis às do bullying presencial, mas com alcance muito maior devido à viralização em massa.

A contradição da Geração Z
A Geração Z se posiciona como a geração da inclusão, da diversidade e da justiça social. São eles que mais cobram autenticidade de marcas e líderes. Porém, estudos mostram que também são os que mais participam ativamente de movimentos de cancelamento, especialmente em plataformas como Twitter, Instagram e TikTok.

Ricardo Dalbosco, Doutor e especialista no futuro do trabalho e comunicação multigeracional, alerta que o cancelamento pode nascer de uma boa intenção: chamar atenção para comportamentos considerados preconceituosos, abusivos ou antiéticos. Mas a prática frequentemente descamba para linchamentos digitais desproporcionais, em que o objetivo deixa de ser educar ou responsabilizar e passa a ser destruir. O discurso de empatia se perde quando a condenação coletiva substitui o diálogo e o espaço de aprendizado.

O desafio jurídico e ético
A deputada Rogéria Santos, autora do PL 1873/23, argumenta que a internet não pode continuar sendo vista como “terra sem lei” ou tribunal onde cada um julga e condena de acordo com sua visão particular. Para ela, a liberdade de expressão não pode ser usada como escudo para humilhação pública. Críticos, no entanto, alertam que já existem instrumentos no Código Penal para punir crimes contra a honra como injúria, calúnia e difamação, e que uma lei mal formulada pode abrir brechas para a censura. O risco é transformar a tentativa de proteger vítimas em mecanismo de silenciamento de críticas legítimas.

O papel da Geração Z nesse cenário
O paradoxo da Geração Z não está em defender diversidade ou inclusão, mas em não perceber que o cancelamento coletivo reproduz a mesma exclusão que criticam. Cancelar alguém sem espaço para diálogo ou reparação é antagônico ao ideal de empatia. Se a Geração Z quer de fato liderar transformações sociais, precisa transformar a energia do cancelamento em energia de construção, de educação e de responsabilização proporcional… o que seria a grande força desta geração.

A incoerência entre discurso e prática mina a credibilidade de uma geração que tem enorme potencial de liderança cultural e política. Mas não basta exigir inclusão de empresas e instituições; é necessário praticar inclusão também nos espaços digitais.

Por isso que para além da legislação, há medidas que a sociedade precisa adotar:
– Educação digital desde cedo: ensinar responsabilidade no uso das redes, destacando consequências psicológicas e sociais do cancelamento.
– Responsabilização sem destruição: separar crítica construtiva de linchamento, responsabilização de humilhação.
– Cultura de diálogo: criar espaços em que erros possam ser corrigidos com aprendizado, e não apenas com exclusão.
– Coerência entre discurso e prática: se defendemos a inclusão, precisamos praticar empatia também diante do erro alheio.
– Participação ativa no debate público: acompanhar propostas legislativas e contribuir para que leis sejam equilibradas, punindo abusos sem limitar a liberdade de expressão.

O PL 1873/23 é um reflexo da sociedade hiperconectada que vivemos. Mais do que uma lei, ele levanta um espelho para a Geração Z e para todos nós: estamos realmente praticando o que pregamos? Falar sobre diversidade é fácil; o difícil é praticar bondade, perdão e empatia em um ambiente digital onde o linchamento é tentador. Se a Geração Z deseja ser lembrada como a geração da inclusão, precisará liderar também a transição de uma cultura de cancelamento para uma cultura de diálogo e transformação.

O efeito do cancelamento na visibilidade da Geração Z
O excesso de cancelamento virtual tem levado muitos jovens da Geração Z a adotarem uma postura de retraimento digital. Para evitar o risco de serem expostos, julgados ou atacados, optam por reduzir sua presença nas redes ou permanecer em uma zona de invisibilidade. Essa escolha transmite uma sensação imediata de proteção, mas traz consequências estratégicas graves.

Ao evitar a exposição, esses jovens também deixam de construir uma marca pessoal visível e admirada, que é a base para reputação sólida e geração de oportunidades. Sem presença consistente, a chance de conquistar convites, parcerias e negócios se reduz. Na prática, o medo do julgamento digital empurra a Geração Z para o anonimato profissional, enquanto outras gerações, menos ativas em movimentos de cancelamento, ocupam espaços de influência e liderança.

Esse paradoxo revela o preço da reclusão: a proteção aparente pode até evitar críticas momentâneas, mas impede que a credibilidade e a autoridade se consolidem a longo prazo. Reputação é resultado de consistência, e quem se esconde não é lembrado, muito menos convidado a ocupar posições de destaque.

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Por Ricardo Dalbosco

Doutor, especialista no futuro do trabalho e comunicação multigeracional, palestrante referência em Comunicação Multigeracional e o Futuro do Trabalho, estrategista de marca pessoal, escritor Best-Seller, conselheiro de empresas, vencedor de prêmios, colunista e consultado por diversas mídias de renome nacional, maior formador de LinkedIn Top Voices e Creators no Brasil

Artigo de opinião

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