Não Se Cale: ampliando protocolos para combater a violência contra a mulher no Brasil
A importância de fortalecer, fiscalizar e expandir iniciativas que protejam mulheres em espaços públicos e promovam uma cultura de respeito e acolhimento
No estado de São Paulo, uma fiscalização do Procon realizada em agosto de 2025 constatou que apenas 25% dos estabelecimentos inspecionados cumprem as regras do protocolo “Não Se Cale”, instituído pela Lei Estadual nº 17.621/2023 e regulamentado pelo Decreto nº 67.856/2023. O programa obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a exibir cartazes em locais visíveis e a treinar seus funcionários para agir em situações de assédio ou violência contra a mulher. A baixa adesão evidencia a necessidade de intensificar a fiscalização, ampliar a divulgação e, sobretudo, expandir a iniciativa para outras regiões do país.
A inspiração do programa veio do exterior: o Protocolo “No Callem”, criado em 2018 em Barcelona, Espanha. A proposta central é a mesma do modelo brasileiro e tem um objetivo simples, mas poderoso: reconhecer sinais de que mulheres estão em situações de perigo, oferecer acolhimento imediato e acionar a rede de proteção. Entre os recursos previstos, há um gesto discreto de pedido de socorro: levantar a palma da mão e dobrar os dedos para cobrir o polegar, indicando que a mulher precisa de ajuda sem precisar falar.
Para que o sistema funcione, os estabelecimentos devem promover, anualmente, a capacitação de todos os funcionários, habilitando-os a identificar e combater o assédio sexual e qualquer outro tipo de violência – seja contra clientes ou trabalhadoras do local. No entanto, permanecem alguns questionamentos: como funcionam, de fato, os treinamentos exigidos? Quais critérios são usados para avaliar a adesão dos estabelecimentos? Existem benefícios concretos para quem cumpre as regras? E, mais importante, como garantir que a medida não se limite a cartazes nas paredes, mas se traduza em acolhimento real? A impressão é de que a intenção é boa, mas o protocolo ainda não chegou de forma consistente à sociedade, sobretudo porque faltam informações claras na comunicação realizada pela mídia.
Iniciativas semelhantes ao protocolo paulista também foram adotadas em outros estados brasileiros. No Pará, por exemplo, a Lei Estadual nº 9.238 foi sancionada em 2021 e regulamentada pelo Decreto nº 3.643/2024, estabelecendo regras para capacitação de funcionários, procedimentos de acolhimento e fiscalização. No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado da Mulher lançou, em 2025, o protocolo “Não é Não! Respeite a decisão”, que prevê treinamento obrigatório de profissionais em bares, restaurantes e espaços de convivência.
No entanto, o contexto brasileiro mostra a urgência de ampliar a medida para todo o país. Em 2024, 27 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência, segundo a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha. Além disso, duas em cada três brasileiras já foram assediadas em restaurantes, bares e casas noturnas, conforme aponta a pesquisa Bares sem Assédio, realizada em 2022 pelo Studio Ideias em parceria com a startup Women Friendly. Esses números revelam que ações de prevenção e acolhimento precisam de maior divulgação, fiscalização e ampliação.
O desafio, portanto, é triplo. Primeiro, assegurar que os protocolos sejam efetivamente aplicados e fiscalizados. Segundo, expandir a iniciativa para todo o país, garantindo que mulheres de diferentes classes e condições sociais tenham acesso à proteção e à conscientização necessárias. Terceiro, conscientizar a sociedade de que o combate à violência contra a mulher é responsabilidade de todos, e não apenas das próprias mulheres.
Esse tipo de violência decorre de desigualdade de gênero, machismo estrutural, impunidade e da cultura de culpabilização da vítima. Por isso, a construção de um movimento de massa fundamentado em educação e conscientização para mulheres e homens é essencial para que a cultura misógina seja transformada. Tornar o protocolo “Não Se Cale” uma política nacional, obrigatória e fiscalizada, representa um passo concreto para que a proteção às mulheres se consolide como uma ação coletiva de enfrentamento.
Por Bruna Pellegrini
Pesquisadora nas áreas de comunicação, gênero, sexualidade e feminismo; professora universitária na UniCesumar de Maringá (PR); doutoranda em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); especialista em Moda: Produto e Comunicação pela UEL; graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
Artigo de opinião