Uso Terapêutico do MDMA no Tratamento do TEPT: Entendendo a Resistência e os Benefícios
Por que o potencial do MDMA para aliviar o Transtorno de Estresse Pós-Traumático ainda enfrenta tanta resistência regulatória?
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) acomete milhões de pessoas no mundo, sendo cerca de 13 milhões nos Estados Unidos e 2 milhões no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse número é alarmante, especialmente porque as terapias atuais oferecem alívio apenas para uma parcela dos pacientes.
O TEPT surge após experiências traumáticas extremas, como acidentes graves, agressões físicas ou sexuais, abusos, guerras, partos traumáticos e desastres naturais, deixando muitos incapazes de seguir com uma vida normal. Ainda hoje, muitos sofrem com tratamentos ineficazes e sem perspectivas claras de melhora.
No Brasil, o impacto do TEPT é evidente, especialmente em grupos como policiais, que enfrentam altos índices de afastamento por problemas de saúde mental relacionados ao estresse severo. Em 2022, mais de 1.600 policiais foram afastados, e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 apontou um aumento significativo nos casos de suicídio entre esses profissionais, com crescimento de 80% em São Paulo e 116,7% no Rio de Janeiro.
Diante desse cenário, cresce a necessidade de novas alternativas terapêuticas para aliviar a dor desses pacientes. Nos últimos anos, a comunidade médico-científica tem investigado os efeitos medicinais de substâncias psicodélicas, como o MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina), para uso em terapia assistida, com resultados promissores.
Estudos de fase 3 publicados em revistas renomadas, como a Nature Medicine, demonstraram que a terapia assistida por MDMA promove uma redução clinicamente significativa dos sintomas do TEPT, avaliada pela escala CAPS-5, que mede a gravidade da doença com critérios padronizados e entrevista clínica estruturada. Além disso, esses estudos mostraram melhorias funcionais expressivas e taxas muito baixas de efeitos adversos.
Em uma dessas pesquisas, pacientes que receberam MDMA durante a terapia apresentaram redução da ideação suicida, enquanto no grupo placebo houve três tentativas de suicídio, incluindo uma hospitalização. O MDMA atua “inundando” o cérebro com serotonina e ocitocina: a serotonina acalma a amígdala, região ligada ao medo e ansiedade, reduzindo a resposta de fuga e permitindo que o paciente explore traumas sem reatividade intensa; a ocitocina, associada ao afeto e à conexão interpessoal, promove sensação de acolhimento e vínculo.
Apesar dos avanços, há forte resistência de órgãos reguladores sanitários ao redor do mundo para aprovar o uso terapêutico do MDMA. Essa resistência está enraizada no preconceito associado ao uso recreativo da substância, conhecida como ecstasy, e na ideia equivocada de que ela causa dependência.
Além disso, estudos que negam os benefícios do MDMA muitas vezes têm conflitos de interesse, financiados por empresas farmacêuticas que lucram com os tratamentos atuais para TEPT. A introdução de uma terapia inovadora, disruptiva e baseada em uma substância sem patente representa uma ameaça aos modelos de negócio estabelecidos.
Um paralelo importante é a trajetória da cannabis medicinal, que enfrentou resistência semelhante. Após muita luta, sua aprovação pela Anvisa permitiu que milhares de pacientes no Brasil tivessem acesso a tratamentos eficazes para diversas condições, como epilepsia, esclerose múltipla, dores crônicas, transtornos de ansiedade e distúrbios do sono. Atualmente, cerca de 672 mil brasileiros utilizam cannabis medicinal, segundo a consultoria Kaya Mind.
No cenário internacional, países como a Austrália já regulam o uso do MDMA em terapia assistida para TEPT, estando na vanguarda dessa abordagem. Depoimentos de pacientes que passaram por essa terapia, como a inglesa Rebecca Huntley, que superou traumas graves com o auxílio do MDMA, reforçam o potencial transformador do tratamento.
É fundamental destacar que o objetivo não é o uso indiscriminado do MDMA, mas sim sua aplicação em terapia assistida, conduzida por médicos capacitados, com acompanhamento e segurança durante todo o processo. Essa abordagem pode beneficiar muitas pessoas e contribuir para desafogar o sistema de saúde brasileiro, reduzindo a demanda por atendimentos relacionados a doenças mentais como o TEPT.
Por Lucas Cury
médico pós-graduado em Neurologia
Artigo de opinião