Mãe com Wi-Fi: Superpoder
Para ler ouvindo: Mantra – Rubel (feat. Emicida)
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Não, eu não acredito em superpoderes. Na realidade, estou cansada. Se passaram seis meses desde que a pandemia começou e o fôlego não é mais o mesmo. Tinha como ser diferente? Receoso, o leitor atento e afiado imagina que algum parafuso meu andou se perdendo por aí, já que afirmo exatamente o contrário logo acima, um pouquinho antes desta coluna começar de fato. Você então confere os bolsos e não encontra aquele dinheiro esquecido; checa o celular e confirma não ter recebido nenhuma mensagem digna de um “oh, extraordinário”; não foi promovido no trabalho, pelo menos não recentemente; finalmente, sim, os boletos chegaram e nem sempre somos tão otimistas como eles, que no final sempre vencem. Mais uma chance: consegue pensar em algo que faça emergir um superpoder antes da Terra completar mais uma volta em torno de si mesma?
Se não, nada mais justo que terminar esse parágrafo com um sonoro “affff”.
Concordo.
Então, o que de fato pode ser tão superpoderoso, facilmente ativado e está passando despercebido? Sem mais rodeios, finalmente eu digo: são os LIVROS, meus caros (sem alusão à recente proposta de taxação* que pode torná-los artigos de luxo numa sociedade tão carente de educação, juro!).
Calma, ninguém aqui está ficando doida – por enquanto, não. Eu sei que ainda existem muitas pessoas que leem livros. Hoje em dia, até pelas telas o que é ótimo, prático, funcional. Mas como estou aqui de peito aberto como mãe o que quero dizer, ou melhor, onde vou chegar é no prazer de ler folheando páginas para uma criança que dá seus primeiros passos no universo mágico da leitura (ao dizer em voz alta me emociona). Apesar de interpretar as ilustrações como um perito, meu filho espera ansioso pelo som de cada palavra que sai da minha boca tecendo uma história.
Vários dias costumam ser ótimos. Após os tempestuosos, acontece de ser um bom banho quentinho que acalma. Noutros, a comida preferida na janta – reparem que na abrangência isso inclui assim, solto, a sugestão “lanche gostoso” – postei e saí correndo. Quando a mamãe ou o papai, mesmo cansados de todo o resto, sentam no chão e brincam inteiros, por 20 minutinhos que seja, sem pressa ou com o celular a tiracolo (para um story, aparentemente, inocente). Só que quando o caos se instaura, eu apelo para meu superpoder, um que eu nem imaginava que tinha até ser mãe e precisar (agora, amar).
Pode ter rolado um auê poucos minutos antes, aquela confusão total… tudo passa quando eu digo as palavrinhas mágicas: escolhe o livro que vamos ler esta noite!
A magia pode acontecer desde muito cedo ou começar exatamente agora. Basta incentivo. Prática diária (ou o máximo que der). Entusiasmo. E, claro, passaporte com autoridade de se auto dar um visto para entrar de cabeça na contação. Recentemente, inclusive, eu me empolguei tanto que o vizinho do apartamento ao lado deu três socos na parede. Entendi e aceitei. Não repitam isso!
O relógio é impiedoso: as horas passam sem que a gente possa controlar (quanta ousadia, não é mesmo). Entre brigar com o tempo e esperar que um adulto saia pela porta para viver sua vida, espero que encorajado e audacioso, escolhi pausar o mundo enquanto lemos e esquecemos de tudo de ruim que possa estar acontecendo. Apenas por alguns minutinhos, sem arrogância. Assim como a Olga de Dios, que nos deu “Pássaro Amarelo”**, eu divido com vocês que os livros infantis estão, junto com uma lista de gestos e atitudes de um menino de 6 anos, salvando minha pele.
Resumo a seguir um dos nossos preferidos, só pra dar um gostinho – esperançosa de que neste momento você já esteja pensando qual livro irá ler em seguida (caso ainda não tenha feito isso). Ele foi escolhido por falar de cooperação, que é o meu norte para esta coluna. Mais do que influência com propósito, também acredito no poder da amizade para superar as limitações.
Com asas pequenas, Pássaro Amarelo não podia voar. No entanto, era muito habilidoso. Podia consertar qualquer coisa e era muito bom com criações. O que ele mais gostava, era compartilhar tudo o que fazia. Sempre que os outros pássaros voavam e partiam, ele ficava triste com as despedidas. Mas se animava quando a correspondência chegava. Com isso, descobriu que assim como ele haviam outros que também não podiam voar. Ajudado pelo carteiro Téo, um simpático crocodilo, criou uma máquina, que colocou nas costas como uma mochila, e atravessou um mar inteirinho. Conheceu avestruzes, galinhas, kiwis e pinguins. Todos voaram com sua invenção. Até a ursa polar que se mudou, por céu, para o Polo Sul. Pássaro Amarelo deu a volta ao mundo.
O que você gostaria de inventar para melhorar a vida de quem vive ao seu redor? Nos pergunta a autora, no pé da página. Eu respondo:
Gostaria, pra começar, que todos tivessem vontade de ler para as crianças com a mesma disposição que fazem todas as outras coisas que despertam felicidade!
Até a próxima!
*Procure saber: #defendaolivro
**Esta obra possui licença Creative Commons.