A Última Liberdade: Escolher a Atitude em Meio ao Sofrimento

Como a busca pelo sentido da vida sustenta a esperança e a resiliência diante das adversidades humanas

Escolher nossa atitude diante de qualquer circunstância e escolher o nosso próprio caminho é, segundo o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, a última das liberdades humanas. No best-seller internacional *Em busca de um sentido*, o autor relata sua experiência em campos de concentração durante o regime nazista.

O cheiro acre confundia-lhe os sentidos. Confinado naquele espaço diminuto, era-lhe impossível enxergar a imensidão do oceano. Quantos dias mais tardaria até chegar à terra firme? Curvado em um canto, numa tentativa vã de acalmar o oco no estômago, o homem — saudoso do passado e temeroso quanto ao futuro — aguardava seu destino.

Naqueles longos dias de espera e sofrimento, buscava, na teoria apreendida nos anos de estudo sobre a mente humana, uma razão para não se entregar ao desânimo que esmagava sua fé. Quantas vezes havia se colocado em situações hipotéticas para melhor compreender as pessoas as quais auxiliava como psicólogo? Agora, ele próprio estava numa situação-limite, atormentado por dúvidas. Mas o que estava buscando? Uma razão para não sucumbir — essa foi a resposta imediata.

“Tudo pode ser tirado de um homem, menos a última das liberdades humanas: escolher nossa atitude diante de qualquer circunstância e escolher nosso próprio caminho.” A reflexão surgiu em sua mente ao lembrar-se do psiquiatra austríaco Viktor Frankl, autor do best-seller internacional *Em busca de um sentido*, no qual relata sua experiência em campos de concentração durante o regime nazista.

A leitura, feita anos antes, não lhe pareceu razoável à época, como se o autor tentasse atenuar um sofrimento sem precedentes. “O pintor procura transmitir-nos uma imagem do mundo como ele o vê; o oftalmologista procura capacitar-nos a enxergar o mundo como ele é na realidade.” Agora, diante daquela perspectiva, vendo a si próprio em uma realidade angustiante, desprovido de condições básicas para sua subsistência, as palavras do psiquiatra começaram a fazer eco em sua alma. Sim, há de se viver para sentir.

Estar em seu país não era mais seguro; os conflitos armados faziam milhares de vítimas diariamente. E ele não estava sozinho, ainda que à sua volta os rostos expectantes fossem desconhecidos.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) aponta que, nos últimos doze anos, houve um aumento significativo de pessoas que foram forçadas a se deslocar de seus países de origem. A estimativa é de que esse número chegue a 120 milhões de pessoas no mundo e 800 mil no Brasil. O número de refugiados oficialmente reconhecidos sob mandatos do ACNUR e da UNRWA está em torno de 43,4 milhões.

À deriva, essas pessoas não tinham como voltar atrás. As condições de vulnerabilidade (geográfica, política e social, dentre outras), que as empurravam para frente, estavam carregadas de desafios — adaptação a uma nova cultura, aprendizado de outro idioma, a ausência de entes queridos, perda da própria identidade, uma vez que sempre serão vistas como “não pertencentes”, o que nos remete a episódios de xenofobia tão constantes em um mundo que ainda não compreende que fronteiras deveriam ser pontes, não muros ou cercas.

Escrita em apenas nove dias em 1946, a obra *Em busca de um sentido*, além de ser um corajoso relato sobre a experiência do autor ao ser submetido a condições desumanas, com privações físicas extremas e torturas psicológicas indescritíveis, nos traz explicações sobre a Logoterapia — também conhecida como Terceira Escola Vienense de Psicoterapia —, uma abordagem terapêutica que tem como pilar a busca do sentido da vida como força motriz do ser humano. A Logoterapia reconhece a dimensão espiritual (não religiosa) e a liberdade interior do indivíduo, enfatizando que, mesmo diante de um sofrimento extremo, é possível configurar a própria existência de forma que ela tenha significado até o último suspiro.

Diante de traumas profundos, rupturas culturais e sociais, muitos enfrentam um vazio existencial e dificuldades para reencontrar um significado na própria trajetória; são feridas, algumas invisíveis, que ainda sangram. Nesse cenário, a Logoterapia propõe recursos sensíveis para trabalhar essas questões, incentivando o indivíduo a descobrir um propósito genuíno para a construção de uma vida que, mesmo em meio ao sofrimento, possa ser — e é — repleta de significado.

Em um estado de extrema fragilidade, marcado pela ganância e brutalidade ainda tão recorrentes na sociedade contemporânea, alimentar a resiliência e a esperança traduzem-se em um ato heroico, uma forma de insubmissão diante das adversidades. Escolher lutar pela sobrevivência, sustentado pela certeza de que a vida tem um propósito, é o que afirma nossa humanidade.

Ele, num esforço para não desistir de tudo, acostumado a usar sua mente analítica, capturou mais uma citação de Frankl: “O homem não deve perguntar qual o sentido da vida, mas sim reconhecer que é ele quem está sendo questionado pela vida”.

Ao lembrar-se da situação vivida pelo psiquiatra no campo de concentração, ele não tinha a intenção de comparar dores — não era esse o caso. A questão presente era o que motivava alguém a transcender a própria dor, ressignificando episódios traumáticos. “Aquele que tem um porquê para viver, pode suportar quase qualquer como.” A reflexão de Friedrich Nietzsche, citada por Viktor Frankl, enfatiza a força transformadora que um propósito maior tem em nossa existência. A história está repleta de relatos comoventes sobre superação. Viver por alguém, para alguém, por uma causa, uma missão é o que nos move diariamente.

Foi o que aquele homem fez quando decidiu mudar de país, pois permanecer havia se tornado impossível. Poderia ter sido somente um dia como tantos outros, mas suas escolhas modificaram o rumo dos acontecimentos.

Decidido, ele ergueu a cabeça e sentiu o calor de um raio de sol, passageiro discreto num abril que surgiu no calendário naquela manhã.

Ao responder à vida — fosse para ter segurança, cumprir uma missão ou manter sua dignidade —, aquele homem deu à própria história novos contornos, mesmo diante dos desafios trazidos pelos ventos do flagelo humanitário. Agora, só lhe restava conservar a esperança de que a nova terra fosse um verdadeiro refúgio — solo de segurança e oportunidades —, acolhendo aqueles que carregam a dor do exílio no corpo e no coração.

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Por Tânia Lins

Bacharel em Administração de Empresas, licenciada em Letras, pós-graduada em Língua Portuguesa e Comunicação Empresarial e Institucional; atua há mais de quinze anos no mercado editorial; experiência profissional e acadêmica em edição, preparação e revisão de obras, gerenciamento de produção editorial, leitura crítica e análise literária; atualmente coordenadora editorial na Editora Vida & Consciência

Artigo de opinião

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