O impacto humano do endividamento: como romper um ciclo silencioso e devastador

Entender as dores emocionais e sociais do endividado é essencial para promover soluções que respeitem a dignidade e reconstruam vidas

O endividamento não é apenas uma condição financeira — é, acima de tudo, uma experiência humana com impactos profundos na saúde emocional, nos vínculos sociais e na autonomia das pessoas. Encará-lo apenas como números ou inadimplência em registros de crédito é simplificar uma realidade que atinge milhões de brasileiros de forma silenciosa e devastadora.

Ao longo da minha trajetória como parte do time de uma empresa global especializada em negociação de dívidas, aprendi que, independentemente das causas iniciais — desemprego, emergência médica, perda de renda ou má gestão financeira —, o que acontece depois segue um padrão dolorosamente previsível.

O primeiro impacto é o isolamento. A pessoa endividada, tomada por um sentimento de vergonha, evita falar sobre sua situação até mesmo com familiares e amigos próximos. E essa reação não é infundada. Nossa cultura ainda associa dívidas à irresponsabilidade ou fracasso, ignorando que, muitas vezes, elas surgem como uma tentativa de atender necessidades básicas, não como fruto de consumismo ou negligência.

O julgamento social costuma ser cruel e simplista. Frases como “se não podia pagar, porque comprou?” desconsideram o contexto, os imprevistos e as limitações estruturais que afetam tantas famílias. A consequência disso é o agravamento do quadro: para lidar com as dívidas iniciais, muitos recorrem a novas linhas de crédito, dando início a um ciclo de endividamento progressivo. Em pouco tempo, acumulam-se empréstimos, cartões, financiamentos — e a pessoa se vê presa em uma espiral de dívidas sem saída aparente.

A essa altura, o impacto vai muito além das finanças. O peso emocional da dívida pode gerar sentimentos de culpa, ansiedade e sobrecarga mental, afetando o sono, a saúde e o bem-estar de quem enfrenta essa situação. Em muitos casos, esse sofrimento profundo compromete a rotina, o desempenho no trabalho e até a convivência familiar e social.

Esse quadro é mais comum do que imaginamos. Em abril de 2025, 77,6% das famílias brasileiras estavam endividadas, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Além disso, dados mostram que 75,7 milhões de brasileiros estavam inadimplentes em março deste ano, ou seja, com alguma dívida em atraso — um volume que representa quase metade da população adulta do país.

O recorte por renda ajuda a entender a dimensão da desigualdade no acesso ao crédito responsável: 81% das famílias com renda de até três salários mínimos estão endividadas, de acordo com a Agência Brasil. Na prática, isso significa que o crédito se tornou uma ferramenta de sobrevivência — e não de consumo — para uma parcela expressiva da população.

Outro dado relevante é o perfil etário do endividado: a faixa entre 41 e 60 anos representa 35,1% dos inadimplentes, seguida de perto por adultos entre 26 e 40 anos (34%). São cidadãos em plena idade produtiva, que enfrentam as pressões financeiras enquanto sustentam suas famílias e tentam manter sua dignidade.

O tipo de dívida também revela muito: 66% das dívidas em atraso têm origem em instituições bancárias, segundo o SPC Brasil e a CNDL. Em seguida, vêm contas de serviços essenciais, como água e luz (10,2%), e o comércio varejista (10%). São obrigações básicas que, quando negligenciadas, indicam não desorganização, mas insuficiência de renda frente ao custo de vida.

Por trás de cada dívida, há uma história, uma trajetória interrompida, um projeto de vida ameaçado. E é por isso que defendemos uma abordagem mais humana no setor de crédito. Empresas, instituições financeiras e agentes públicos precisam compreender que oferecer caminhos viáveis para a quitação de débitos não é apenas uma estratégia de recuperação financeira — é uma escolha ética que promove dignidade e reconstrução.

Na Bravo, nossa missão é ajudar milhares de pessoas que lutam contra o superendividamento, ajudando-as a desenvolver novos hábitos financeiros e a reiniciar sua vida de crédito. Nos últimos 15 anos, ajudamos mais de 500 mil famílias a lidar com esse problema na América Latina e na Europa.

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Por Ricardo Camarena

Country Manager da Bravo

Artigo de opinião

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