A crise da ansiedade no Brasil e os desafios da saúde mental contemporânea
Como preconceitos, desigualdades sociais e a psiquiatrização impactam o cuidado psicológico no país
O Brasil enfrenta uma crise de saúde mental com um aumento alarmante nos casos de depressão, ansiedade e burnout que afeta diretamente a produtividade e o bem-estar das pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ansiedade atinge 9,3% da população, enquanto a depressão chega a 5,8% dos brasileiros.
A situação é ainda mais crítica entre os jovens, que lidam com pressões acadêmicas e sociais intensas, resultando em um aumento relevante de casos de ansiedade e depressão nessa faixa etária. O relatório Global Mind Project (2024) revelou que jovens de 18 a 34 anos apresentam uma média de apenas 38 pontos no índice MHQ (Mind Health Quotient), indicando dificuldades significativas em gerenciar a rotina, manter relações sociais e controlar emoções.
Um dos principais fatores que fazem o brasileiro não procurar tratamento é o preconceito com relação a transtornos mentais e a busca por ajuda. Combater esse preconceito passa pela tarefa de educar a população sobre o que é saúde mental, os sinais de alerta, onde buscar ajuda e como oferecer apoio a pessoas em sofrimento.
Além disso, é fundamental reconhecer que a desigualdade social, a pobreza, a violência e a falta de acesso à educação e saneamento básico impactam diretamente a saúde mental, contribuindo para a origem das questões psicológicas na sociedade contemporânea.
Para alterar esse cenário, é preciso olhar para os profissionais que atuam no cuidado com a saúde mental da população. A adaptação das abordagens terapêuticas às complexidades dos laços sociais efêmeros da era digital e a compreensão das influências do capitalismo, consumismo e tecnologia são essenciais para criar um ambiente acolhedor que permita ao paciente prosseguir no tratamento e aprofundar suas questões.
Uma pesquisa da Vittude, plataforma de saúde mental, revela que 86% dos brasileiros sofrem de algum transtorno mental. Como reflexo do contexto social, observa-se que a crescente psiquiatrização é impulsionada pela popularidade da lógica psiquiátrica norte-americana, que, no ambiente virtual, estimulou autodiagnósticos e identitarismos psicopatológicos, onde o sintoma se torna identidade e vice-versa.
A valorização excessiva do diagnóstico psiquiátrico pode levar os pacientes a priorizar o tratamento da “doença” em detrimento de uma visão mais abrangente da saúde, que englobe fatores biológicos, emocionais, sociais e históricos. Nesse contexto, o psicólogo tem a responsabilidade de ajudar o paciente a entender que o diagnóstico pode ser um efeito, e não necessariamente a causa fundamental de seu sofrimento.
Muitos psicólogos clínicos recebem pacientes com autodiagnósticos psiquiátricos, o que pode afetar a autopercepção do indivíduo, fixando-o no sintoma e dificultando a exploração de questões psicológicas mais profundas.
Encontrar um equilíbrio entre intervenções farmacológicas e psicoterapêuticas é a principal alternativa. A psicoterapia é essencial para todos os pacientes psiquiátricos, mas nem todo sofrimento psicológico requer medicação. Os psicofármacos visam aliviar sintomas e estabilizar o psiquismo, facilitando o trabalho psicoterapêutico.
Portanto, é urgente combater o preconceito, ampliar o acesso ao tratamento e promover uma visão integrada da saúde mental que considere as múltiplas dimensões do sofrimento humano, para que o Brasil possa enfrentar com mais eficácia essa crise crescente.
Por Fabiana Ratti e Marcos Torati
Fabiana Ratti – Psicóloga, psicanalista lacaniana, fundadora da Rede de atendimento Psicanalítico Lacaniano – UNBEWUSSTE, mestrado em psicologia clínica pela PUC-SP, cerca de 30 anos de experiência clínica; Marcos Torati – Psicólogo, professor, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, especialista em psicanálise (abordagem winnicottiana) e psicoterapia focal, supervisor clínico e coordenador de cursos de pós-graduação em Psicologia e Psicanálise
Artigo de opinião