Quando a maternidade vira tribunal: o peso insuportável de ser mãe em uma cultura de silêncio e culpa

A injustiça de responsabilizar mães pela violência contra crianças em um sistema marcado por estereótipos e omissões

Mayra Cardozo traz uma reflexão importantíssima a respeito da injustiça que recai sobre as mulheres quando há casos de violência contra a criança.

Oii, tudo bem?
Quero te fazer uma sugestão de artigo, assinado por Mayra Cardozo, terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Ela traz uma reflexão importantíssima a respeito da injustiça que recai sobre as mulheres quando há casos de violência contra a criança.

Quando uma criança sofre, especialmente se há indícios de abuso, não é o agressor que está sob suspeita imediata. É a mãe. É sempre sobre ela. O que ela deixou de ver? O que ela fez de errado? Por que não protegeu? A pergunta não dita é cruel: que tipo de mãe permite que isso aconteça?

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Quando a maternidade vira tribunal: o peso insuportável de ser mãe em uma cultura de silêncio e culpa
*Mayra Cardozo*

Eu perdi as contas das vezes em que vi, em processos judiciais, investigações policiais, escutas em conselhos tutelares e até mesmo dentro de consultórios de psicoterapia, a figura materna ser arrastada para o banco dos réus – ainda que simbólico. Quando uma criança sofre, especialmente se há indícios de abuso, não é o agressor que está sob suspeita imediata. É a mãe.

É sempre sobre ela. O que ela deixou de ver? O que ela fez de errado? Por que não protegeu? A pergunta não dita é cruel: que tipo de mãe permite que isso aconteça?

Essa lógica me fere – como mulher, como advogada com perspectiva de gênero, como terapeuta feminista e, agora, como mãe. Existe uma engrenagem invisível, mas implacável, que age para deslocar a responsabilidade do agressor e concentrá-la naquela que, muitas vezes, também está tentando sobreviver.

Poucos se perguntam: quem foi o autor da violência? Como ele arquitetou o silêncio? Que estratégias usou para manipular, isolar, desmoralizar? Por que a palavra masculina ainda tem tanto mais peso, mesmo quando contradiz evidências?

O patriarcado é astuto. Ele se protege atribuindo à mulher a responsabilidade pelos fracassos dos homens. E a maternidade, nesse contexto, é uma armadilha: idealizada, romantizada e, ao menor sinal de “falha”, condenada.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, divulgado pelo IPEA, 61,4% dos estupros registrados no Brasil em 2022 foram contra vítimas vulneráveis – crianças de até 13 anos. Em 72,2% dos casos, o abuso aconteceu dentro de casa. Em 71,5%, o agressor era um familiar.

Esses números são devastadores. Mas o que me inquieta profundamente é que, mesmo diante de dados tão claros, o que se vê nos tribunais não é a responsabilização de quem violou, mas a desconfiança lançada sobre quem deveria ter impedido. A mãe.

Essa seletividade na aplicação da justiça não é neutra. Ela é atravessada por estereótipos de gênero que persistem no funcionamento do sistema: a mãe perfeita, incansável, onipresente – e, ao mesmo tempo, sempre sob suspeita.

É uma equação impossível: quando denuncia, é louca. Quando se cala, é conivente. Quando protege, é manipuladora. Quando se desespera, é desequilibrada. Quando tenta continuar, é insensível. O retrato da “culpada ideal” é, na verdade, o retrato de uma mulher exausta, sem direito ao erro, à dor ou ao cuidado.

A pesquisa “Visível e Invisível”, publicada em 2025 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que 37,5% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Um número recorde. E, ainda assim, seguimos tratando essas mulheres como suspeitas, e não como sobreviventes.

Não existe saída segura quando se é mulher em um sistema que nos ensina, desde pequenas, que cuidar é nosso dever – mas nunca nos oferece o direito de sermos cuidadas. Essa é a face mais perversa da maternidade sob o patriarcado: ela nos exige tudo e, quando falhamos ou vacilamos, nos julga como cúmplices.

É por isso que eu insisto: não basta proteger as crianças. Precisamos proteger também as mulheres que estão ao lado delas, lutando em silêncio, muitas vezes sem rede, sem escuta, sem acolhimento. Antes de salvar um filho, uma mãe precisa sobreviver ao linchamento simbólico que a cerca.

Em datas comemorativas, como Dia das Mães e Dia Internacional da Mulher, não me interessa falar de flores. Me interessa falar de compromisso. De escuta. De política pública. De uma justiça que, de fato, compreenda as dinâmicas da violência de gênero e cesse de revitimizar quem já carrega demais.

Porque toda vez que culpamos uma mãe por um abuso cometido por um homem, estamos reforçando – e perpetuando – o pacto social que protege os violentadores e silencia as vítimas.

*Mayra Cardozo é terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método Alma Livre, criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.*

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Por Mayra Cardozo

terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados; idealizadora do método Alma Livre, criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos

Artigo de opinião

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