Quebrando o Ciclo da Falta de Demonstração do Amor Paterno entre Homens e Meninos

Como a ausência de afeto na criação dos meninos impacta a formação de lideranças mais empáticas e inclusivas

Você sabia que metade dos meninos adolescentes não tem certeza se são amados pelo pai? Uma forma de educar que ainda tem consequências profundas no desenvolvimento das lideranças masculinas. Começo este texto com uma pergunta para homens pais de meninos: será que seu filho sabe que você o ama?

Faço essa provocação porque lembrei de um executivo que, durante um treinamento, compartilhou uma lembrança difícil de sua infância. Certa vez, ao assistir a um filme em que o personagem dizia ao filho “eu te amo”, ele perguntou ao pai: “Quando você vai me dizer isso também?”.

A resposta do pai dele foi um tapa no rosto, acompanhado da frase “seja homem!”. Por trás do episódio duro, estava a noção de que o afeto não fazia parte do que se esperava de um homem.

Esse não é um caso isolado. Segundo uma pesquisa recente do Instituto PdH apresentada no Fórum de Diversidade da CKZ Diversidade, focado em dialogar com os homens, cinco em cada dez meninos entre 13 e 17 anos no Brasil não têm certeza se são amados pelo pai.

O dado escancara a realidade de que meninos e meninas são educados de formas diferentes, influenciadas pelos estereótipos de gêneros. Enquanto as filhas muitas vezes recebem demonstrações mais explícitas de carinho, os filhos com frequência são tratados com maior rigidez. Ouvem frases como “engole o choro” ou “você está parecendo uma menininha”.

Essa forma de educar gera consequências profundas. Os meninos aprendem desde cedo a associar emoção a algo negativo e crescem com dificuldade de reconhecer e lidar com os próprios sentimentos. Isso limita o desenvolvimento da empatia e da inteligência emocional.

A pesquisa também mostra que metade dos responsáveis por meninos não conta com uma rede de apoio para conversar sobre os desafios de criá-los. Isso significa que os pais – e também as mães – muitas vezes se sentem sozinhos, reproduzindo, quase sem perceber, padrões herdados de gerações anteriores.

Mas esse ciclo cobra um preço alto. Homens que hoje ocupam cargos de liderança foram educados nesse modelo rígido, que não estimulava a inteligência emocional. E justamente essas competências – autoconhecimento, escuta ativa e empatia – foram apontadas pelo Fórum Econômico Mundial como fundamentais para a liderança do futuro.

A pergunta que fica é: como esperar que lideranças masculinas sejam capazes de inspirar, engajar e criar ambientes saudáveis se, por décadas, meninos foram ensinados a reprimir sentimentos e a esconder vulnerabilidades?

O que percebemos é que o que acontece em casa hoje impacta diretamente o que veremos nas empresas amanhã. Quando me perguntam: “Onde começa a desigualdade de gênero?” Respondo: Na sua casa. Quando reforçamos que “menino é corajoso” e “menina é delicada”, ou quando se dá Lego para ele e boneca para ela.

Ao ensinar às crianças papéis tão distintos, estamos perpetuando estereótipos que depois se refletem em disparidades no mercado de trabalho e em dificuldades de convivência entre homens e mulheres.

Quebrar esse ciclo exige consciência e prática. Exige rever frases automáticas e abrir espaço para demonstrações de carinho sem sofrer influência da falsa ideia de que homem não deve demonstrar sentimentos. Educar meninos com afeto não é sinal de fraqueza, e sim da força de desafiar padrões antigos e abrir caminho para futuros mais saudáveis.

Retomando a história do executivo: depois de compartilhar a lembrança dolorosa do tapa na cara que levou do pai, eu perguntei: “E você, como tem ensinado o seu filho?” Ele fez questão de dizer que decidiu escrever uma nova história. Hoje, repete todos os dias que o ama, sempre o abraça, demonstrando afetividade. Fiquei feliz, afinal é sempre possível quebrar o ciclo.

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Por Cris Kerr

CEO e fundadora da CKZ Diversidade, consultoria especializada em Inclusão & Diversidade, professora da Fundação Dom Cabral, mestre em Sustentabilidade, idealizadora do Super Fórum Diversidade & Inclusão, autora dos livros "Viés inconsciente" e "Cultura organizacional livre de assédio"

Artigo de opinião

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