A Morte no Candomblé: Continuidade e Força dos Rituais de Passagem
Como a visão afro-brasileira transforma a morte em um ciclo de ancestralidade e fé, fortalecendo laços e comunidades
A morte, para o Candomblé, não é ruptura, é passagem. É o momento em que o espírito retorna para a ancestralidade, mantendo vivo o vínculo com aqueles que permanecem. A despedida de Preta Gil, em 20 de julho, e o velório realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 25, trouxeram essa perspectiva para o centro da conversa nacional. O gesto coletivo de vestir branco, atendendo a um pedido da própria artista, não foi apenas simbólico, foi um ato de fé e continuidade.
No universo afro-brasileiro, o branco é a cor de Oxalá, orixá associado à paz, à sabedoria e à criação. É também a cor que protege e purifica nos momentos de passagem. “O branco é mais do que uma roupa bonita para o velório. É um manto espiritual. Ele acolhe a energia de quem está partindo e protege a energia de quem está ficando”, explica o sacerdote Eduardo Elesu.
Preta Gil, filha de Oxum e devota de Nossa Senhora Aparecida, deixou claro, até nos últimos desejos, a importância de afirmar sua fé e sua ancestralidade. O velório, realizado em uma sexta-feira dia dedicado ao uso do branco, reuniu familiares, amigos e admiradores que, ao seguir essa orientação, reforçaram um princípio essencial do axé: a vida e a morte fazem parte de um mesmo ciclo e ninguém caminha sozinho em nenhuma dessas etapas.
Para Eduardo Elesu, entender essa visão é fundamental para ampliar o respeito às religiões de matriz africana. “No Candomblé, não existe a ideia de morte como castigo ou fim trágico. Existe a certeza de que a pessoa se torna parte ativa da força que sustenta a comunidade. Essa é uma mensagem que conforta, porque nos lembra que os laços não se rompem”, afirma.
Ele ainda reforça que os rituais de passagem como o uso das cores, os cânticos, as oferendas e a presença coletiva não têm apenas função espiritual, mas também emocional e social. “O ritual cria espaço para o luto saudável. Ele organiza a dor, dá sentido para a ausência e fortalece a esperança. É uma forma de cuidar das pessoas enquanto elas aprendem a viver sem a presença física de quem partiu”, completa.
A tradição de ver a morte como continuidade vem das raízes iorubanas que sustentam o Candomblé. A vida é parte de um ciclo que atravessa nascimento, maturidade, morte e renascimento no Orum, o plano espiritual. Personagens como Iku, a entidade que conduz os espíritos, não são vistos como ameaças, mas como guardiões dessa passagem. O branco, nesse contexto, é também um sinal de respeito aos orixás e à memória de quem se torna ancestral, reafirmando que, mesmo na ausência física, a presença espiritual permanece viva.
5 fatos sobre a morte no Candomblé
– Continuidade, não fim: A morte é entendida como transição para o Orum, onde a pessoa se torna ancestral.
– Iku como guardião: Iku é a entidade que conduz os espíritos e não é visto como inimigo, mas como parte do equilíbrio natural.
– O poder do branco: Cor associada a Oxalá, simboliza paz, pureza e proteção, sendo usada em momentos de passagem.
– Rituais de acolhimento: Cantos, rezas, oferendas e a presença coletiva ajudam a confortar e dar sentido à perda.
– Laços eternos: A relação com quem partiu continua por meio da ancestralidade e das práticas espirituais.
Por Eduardo Elesu
Sacerdote de Esù, dirigente do Ilê Odé Nlá Axé Alagbará, iniciado em nome de Oxóssi, consagrado como Elesu, líder de seu próprio Ilê, reconhecido pela precisão nos Jogos de Búzios, rituais de Ebó, encantamentos e processos iniciáticos
Artigo de opinião