Geração Alpha no Mercado de Trabalho: Desafios e Oportunidades para Empresas e RH
Como a entrada dos jovens nascidos a partir de 2010 está transformando a gestão de pessoas e a cultura organizacional nas empresas brasileiras
Mal compreendemos como gerenciar os representantes da Geração Z e a Geração Alpha já chegou às empresas brasileiras – e não como público-alvo de marketing, mas como força de trabalho em formação. Adolescentes nascidos a partir de 2010 começaram a ser contratados como aprendizes e em poucos anos como estagiários, marcando oficialmente a entrada dessa nova geração no mercado. São jovens “nativos digitais” que cresceram em plena era da inteligência artificial, das redes sociais e da hiperconectividade.
Com menos de 18 anos, eles já dividem o ambiente corporativo com profissionais de até outras quatro gerações, forçando empresas e lideranças de RH a repensarem práticas de gestão, cultura organizacional e estratégias de desenvolvimento de talentos. O futuro do trabalho, ao que tudo indica, começa agora.
Essa convergência inédita de cinco gerações sob o mesmo “teto corporativo” traz desafios e oportunidades para a liderança de RH.
Perfil digital e comportamental da Geração Alpha
Desde o berço, a Geração Alpha esteve imersa no digital. Eles nunca conheceram um mundo sem smartphones, redes sociais e Internet das Coisas, ao contrário de seus antepassados. No Brasil, um estudo realizado pela Opinion Box em 2023 apontou que 44% das crianças de até 12 anos já possuíam seu próprio smartphone e passavam em média quase quatro horas por dia conectadas ao aparelho.
Esse contexto de hiperconectividade desde a primeira infância moldou jovens curiosos, independentes e com aprendizagem acelerada. Acostumados a ter informação na palma da mão, os Alpha desenvolveram autonomia para buscar conhecimento sozinhos – desde cedo “consultam o Google” e agora o ChatGPT para tirar dúvidas.
Diferenças em relação à Geração Z
Embora Geração Z (nascidos entre 1997 e 2009) e Geração Alpha partilhem o DNA digital, há diferenças sutis no perfil e nas expectativas de cada grupo. A Gen Z foi a primeira a crescer com smartphones e redes sociais disponíveis desde a adolescência, a ponto de 95% dos jovens Z possuírem ou terem acesso a um smartphone segundo o Pew Research Center.
Já os Alpha simplesmente não distinguem o mundo online do offline – para eles, tecnologia ubiquitária é pressuposto básico. São ainda mais conectados e propensos a adotar inovações como inteligência artificial e realidade aumentada em seu cotidiano.
No que diz respeito a aspirações profissionais, as pesquisas sugerem tanto continuidades quanto evoluções. A Geração Z valoriza flexibilidade e autonomia no trabalho, preferindo empregos que ofereçam opção de trabalho remoto – em um estudo da Deloitte divulgado ano passado, 75% dos Z afirmaram preferir ter a possibilidade de trabalhar a distância.
Empreendedorismo em alta e temor da inteligência artificial
Uma marca registrada da nova geração é o seu espírito empreendedor. Os Alpha nasceram em uma era de startups glamourizadas e influenciadores adolescentes construindo negócios online, o que alimenta o desejo de criar seu próprio “unicórnio”. Segundo uma pesquisa da Companhia de Estágios em parceria com a Opinion Box, e divulgada recentemente, 80% dos jovens de até 17 anos desejam ter o próprio negócio, índice significativamente superior aos 64% observados entre os jovens de 18 a 24 anos.
Essa disparidade sugere que os mais novos (Alpha) estão ainda mais inclinados ao empreendedorismo do que os próprios membros da Gen Z já beirando os 30 anos. Outro levantamento, do Datafolha, reforça a tendência: 68% dos brasileiros de 16 a 24 anos acham melhor trabalhar por conta própria do que ter um emprego formal. Os motivos vão desde o anseio por liberdade e autonomia até uma percepção de que o trabalho tradicional já não oferece a estabilidade de outrora.
Além disso, muitos jovens foram impactados pela experiência da pandemia, que popularizou o trabalho remoto. Houve uma euforia com a ideia de poder trabalhar de qualquer lugar, e embora muitas empresas tenham recuado para o presencial ou híbrido, a geração que cresceu nesse período mantém-se animada com a possibilidade de mobilidade total. Empreender, para eles, parece alinhar-se a esse ideal de flexibilidade geográfica e de horários.
Paradoxalmente, apesar de serem extremamente familiarizados com tecnologia, os Alpha também carregam um receio acentuado em relação à Inteligência Artificial (IA) e seus impactos no trabalho. A mesma pesquisa da Companhia de Estágios revela que 28% dos adolescentes de 14 a 17 anos têm medo de perder o emprego para a IA, um patamar acima da média geral (22%) dos jovens entrevistados. Ou seja, um em cada quatro da nova geração já se preocupa com a possibilidade de automação substituir suas funções.
Por outro lado, a Geração Alpha conta com uma vantagem: tendo crescido em meio à IA generativa, chatbots e ferramentas inteligentes, eles podem conseguir usar a tecnologia a seu favor. Estudos indicam que a familiaridade nata desses jovens com inteligência artificial, automação e “big data” lhes dará uma vantagem competitiva no mercado de trabalho, desde que recebam a capacitação adequada para evoluir junto com as máquinas.
Desafios para a liderança
A entrada dos Alpha no mercado impõe às lideranças corporativas de forma ainda mais acirrada um exercício de adaptação e visão multigeracional. Gerir uma equipe composta de profissionais que vão dos 14 aos 70 anos requer inteligência cultural e flexibilidade por parte dos líderes em geral e dos gestores de RH em especial.
Um primeiro desafio é evitar o “etarismo” inverso – subestimar a capacidade dos muito jovens por conta da idade. Se bem orientados, aprendizes adolescentes podem trazer contribuições valiosas, especialmente em tarefas que envolvem tecnologia, redes sociais ou novas tendências de consumo.
Do ponto de vista comportamental, autoridade e hierarquia ganham novos contornos com a Geração Alpha. Esses jovens foram educados em ambientes mais horizontais – na escola já se fala em participação ativa, e em casa seus pais Millennials tendem a adotar estilos menos autoritários ou até permissivos demais.
No trabalho, isso significa que o respeito não virá automaticamente do cargo ou título, mas da postura da liderança. Chefes tradicionais do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” podem enfrentar resistência sutil; por outro lado, líderes que ouvem, dialogam e provam competência técnica e empatia terão mais chance de conquistar a confiança e engajamento dos Alpha.
Para o RH, a chegada da Geração Alpha exige a revisão de estratégias de atração, desenvolvimento e retenção. Flexibilidade de horário e local já não é um luxo, mas um esperado – empresas que puderem oferecer modalidades híbridas ou remotas largam na frente na disputa por esses talentos.
A entrada dos Alpha marca mais do que a renovação etária das equipes. Essa chegada sinaliza uma transformação profunda na forma como as empresas precisarão estruturar suas relações de trabalho, seus modelos de gestão e seus investimentos em cultura organizacional. Quem estiver disposto a escutar, aprender e evoluir com essa nova geração, encontrará nela não apenas inovação – mas também engajamento, agilidade e um novo senso de futuro para construir junto.
Por Roberto Santos
sócio-diretor da Ateliê RH
Artigo de opinião