Educação emocional masculina: repensando o que ensinamos sobre sentir
Com homens representando a maioria das mortes por suicídio, é urgente promover uma criação que valorize a expressão emocional desde a infância
Por muitos anos, expressões como “engole o choro” e “menino não chora” foram naturalizadas em casas e escolas, moldando um ideal de masculinidade associado à força, independência e resistência emocional. Com homens representando três em cada quatro mortes por suicídio no mundo, cresce o debate sobre o impacto desse modelo de repressão emocional e a necessidade de rever práticas de educação desde a infância.
Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que a taxa de suicídio entre homens é cerca de 2,3 vezes maior do que entre mulheres. Em países de alta renda, a diferença chega a mais de 3 para 1. No Brasil, um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública revela que, entre 2000 e 2017, a taxa de suicídio entre homens passou de 6,5 para 11,3 por 100 mil habitantes — quase quatro vezes a registrada entre mulheres no mesmo período.
Segundo especialistas, o tabu em torno da saúde mental masculina está enraizado em estereótipos históricos e culturais. Quando ensinamos meninos a silenciar suas emoções, estamos negando a eles uma parte fundamental da experiência humana. Isso pode gerar adultos emocionalmente bloqueados, com dificuldades de relacionamento e maior propensão a problemas como ansiedade, depressão e agressividade.
Diante desse cenário, escolas e organizações vêm adotando práticas voltadas à saúde emocional dos meninos. Entre as estratégias destacadas estão rodas de conversa sobre sentimentos, incentivo à leitura com protagonistas masculinos sensíveis, atividades expressivas acessíveis a todos e capacitação de educadores sobre masculinidades saudáveis.
Ao implementar essas práticas, é possível observar meninos mais empáticos, com melhor capacidade de comunicação e relacionamentos mais ricos com colegas e familiares. Homens emocionalmente conscientes têm mais chances de se tornarem pais presentes, parceiros empáticos e líderes eficazes. Estamos formando uma geração que pode quebrar ciclos de violência e construir relacionamentos mais saudáveis.
Entre as recomendações que podem ser aplicadas desde a infância estão: validar emoções sem distinção de gênero, oferecer modelos masculinos diversos, promover brincadeiras que incentivem empatia e cuidado e estar atento a comentários que limitem a expressão emocional.
A repressão emocional não se restringe à infância. No mercado de trabalho, muitos homens seguem relutantes em procurar ajuda. Pesquisa mostra que 80% dos homens nunca fizeram terapia, apesar de 74% relatarem ansiedade e 83% mencionarem estresse. Em fóruns online, não são raros os relatos que associam a busca por apoio psicológico à “fraqueza”.
Relatórios indicam que, nas Américas, os homens vivem em média 5,8 anos a menos que as mulheres e são mais afetados por doenças crônicas, acidentes, violência e suicídio — fatores muitas vezes ligados à construção da masculinidade tradicional.
Empresas que têm investido em programas voltados à saúde emocional masculina relatam impactos positivos. Grupos de escuta, palestras, treinamentos e ações de incentivo ao autocuidado têm melhorado o engajamento e o clima organizacional.
Ao ensinar meninos a reconhecer, nomear e expressar seus sentimentos desde cedo, estamos ajudando a formar adultos mais resilientes, empáticos e mentalmente saudáveis. Isso se traduz em menos casos de depressão, menos famílias afetadas pelo silêncio e, num cenário mais amplo, menos mortes evitáveis por suicídio.
A transformação depende de um esforço conjunto — de pais, educadores, lideranças e da sociedade como um todo. A masculinidade do futuro pode, e deve, ser plural, sensível e integral. Criar meninos livres para serem inteiros é abrir caminho para homens livres para serem humanos.
Por Ana Tomazelli
Psicanalista, presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), co-fundadora do Ipecre – Instituto de pesquisa e estudos em Ciência da Religião, mentora de carreiras, executiva em Recursos Humanos com mais de 20 anos de experiência, mestranda em Ciências da Religião pela PUC-SP, membro do grupo de pesquisa RELAPSO da USP, pós-graduada em Recursos Humanos pela FIA-USP e em Negócios pelo IBMEC-RJ, formada em Jornalismo pela Laureate – Anhembi Morumbi
Artigo de opinião